Título: NA PISTA DOS DESAPARECIDOS
Autor: Paula Autran
Fonte: O Globo, 27/05/2005, Rio, p. 11
Dados genéticos de parentes passam a ser guardados em banco de DNA da Uerj
Dez das 11 mães de Acari vão doar amostras de sangue para a produção de DNA a serem utilizadas em tentativas de identificação dos corpos de seus filhos, desaparecidos desde que foram seqüestrados num sítio em Magé, possivelmente por policiais militares, em julho de 1990. As informações biológicas delas vão fazer parte do Projeto Fênix, um banco de dados de DNA de pessoas que tiveram parentes desaparecidos, assim como de restos mortais de indivíduos sem identificação, para futuros cruzamentos e possíveis identificações. O banco de dados tem um papel importante no Estado do Rio, onde são registrados quase 400 desaparecimentos de pessoas por mês.
Criado em novembro de 2003 ¿ a partir de um convênio do laboratório de diagnósticos por DNA da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) com o Ministério Público e o Tribunal de Justiça ¿ o Fênix já conta com o DNA de cerca de cem mortos (obtidos a partir de ossos ou restos mortais) ou vivos (no caso de vestígios deixados em cenas de crime, como sangue, sêmen e tecido colhido da unha da vítima, por exemplo) não identificados, além do material genético de aproximadamente 120 famílias que procuram parentes desaparecidos, presumivelmente mortos.
¿ Toda vez que houver possibilidade, o cruzamento será feito. E tudo isso sem que os parentes sejam incomodados de novo para fazer exames cada vez que for encontrado, por exemplo, um corpo num cemitério clandestino. Até porque essas pessoas não são eternas ¿ disse Eliseu Carvalho, coordenador do laboratório de diagnósticos por DNA da Uerj.
Projeto ajudará a produzir provas
Carvalho resolveu convidar as mães de Acari para fazer parte do projeto, comovido com o drama das mulheres, que estão há 15 anos em busca dos filhos:
¿ Em caso de morte das mães, não é necessário exumação. O DNA, uma vez recolhido, pode ser guardado para ser analisado daqui a cem anos, quando houver uma hipótese que justifique o cruzamento.
As mães de Acari já marcaram a coleta do material para a primeira semana de junho. O caso de uma das famílias é um pouco mais complicado: Edméia Eusébio, mãe de Luiz Henrique, foi assassinada três anos depois do crime e só deixou mais uma filha. Ainda assim, segundo Carvalho, é possível ter dados da família no banco através da irmã da vítima, graças à utilização de um outro método, o do DNA mitocondrial.
¿ Essa herança genética é passada pela mãe para todos os filhos. E só a mãe passa, o pai não ¿ explica Carvalho.
Vera Lúcia Leite Flores, mãe de Cristiane, desaparecida aos 17 anos, vai reunir as companheiras de luta na próxima semana para combinar os detalhes da coleta de material:
¿ Sem dúvida será uma forma de evitarmos grande parte da dor e da expectativa, cada vez que surge uma hipótese de que nossos filhos tenham sido encontrados.
Advogada das mães de Acari, Cristina Leonardo acredita que o Projeto Fênix vai ajudar a produzir provas técnicas para elucidar muitos outros casos de desaparecimentos.
¿ No caso do menino Carlinhos, desaparecido na década de 70, por exemplo, temos o DNA da mãe dele, dona Maria da Conceição. Já fizemos exames com quatro supostos Carlinhos, todos não confirmados. Também graças ao DNA da mãe de Priscila Belfort pudemos comprovar que dois corpos suspeitos de serem da moça, desaparecida em janeiro de 2004, não eram dela ¿ conta Carvalho. ¿ Já tivemos cerca de 400 identificações positivas, mas a maioria era praticamente direcionada, movida por suspeitas.
A análise do DNA só é feita nesses casos, pois custa caro ao estado ¿ cerca de R$125 cada ¿ fazer os exames em grande escala. A identificação é feita em até dois meses. Pessoas interessadas em integrar o cadastro para tentar localizar parentes podem se cadastrar pela internet (labdna@uerj.br).