Título: REDUZIR DISTORÇÕES
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Fonte: O Globo, 28/05/2005, Opinião, p. 6

Há anos trava-se uma batalha no campo tributário brasileiro. De um lado os críticos da cumulatividade tentam mostrar que o imposto sobre valor agregado (IVA) é vantajoso porque se traduz em um sistema neutro, justo e eficiente. De outro, os defensores do imposto sobre movimentação financeira (IMF) afirmam ser essa a única base tributária capaz de combater a sonegação e a informalidade.

Primeiro, vale ressaltar que a neutralidade tributária é uma fantasia. Nenhum imposto tem essa característica. Tanto o IVA como o IMF provocam desvios nos preços relativos. A comparação correta deve analisar qual desses sistemas tem menor impacto. O IVA teria menor distorção na hipótese de sonegação zero, ou seja, se todos os contribuintes pagassem seus tributos.

Mas a sonegação é fenômeno arraigado na cultura brasileira. O elevado ônus tributário estimula essa prática até como questão de sobrevivência. Quando predominam sonegação e informalidade, o IVA é como gasolina num prédio em chamas, pois exige uma alíquota de mais de 40% sobre uma base declaratória. A hipótese de que ele tem menor impacto sobre os preços relativos supõe também a existência de mercados competitivos perfeitos, condição que na prática não é verificada. Assim sendo, pela teoria do second best, sem uma análise pontual de alternativas de mercado não se pode afirmar que o IVA é mais eficiente que um tributo cumulativo.

A implantação de uma estrutura eficaz no combate às anomalias provocadas pela sonegação exige a identificação de uma base tributária ampla o suficiente para permitir a aplicação de um imposto com alíquota baixa incidindo sobre um sistema não-declaratório, o que não será possível se a base for o valor agregado. A única base que atende essas necessidades é a movimentação financeira. O IMF, mesmo sendo cumulativo, é automático e reduz desembolsos tributários e custos administrativos tanto para o governo como para o setor privado. O prêmio ao sonegador quase desaparece.

No que se refere aos impactos sobre os preços relativos, meu livro ¿A verdade sobre o Imposto Único¿ mostra que enquanto o IMF faz os preços pós-imposto se distanciarem dos preços sem imposto entre 11,3% e 18,5%, o IVA causa elevações de 32,0% a 50,9%. Quanto aos desvios nos preços relativos, foram de 4,4% no caso do IMF e de 8% no sistema tradicional. Portanto, a comparação mostra ampla vantagem do sistema cumulativo: provoca menor distorção nos preços e é o único capaz de enfrentar o problema da sonegação.

MARCOS CINTRA é secretário das Finanças de São Bernardo do Campo.