Título: `Existe a falsa idéia de que o `não¿ à Constituição é um ato revolucionário¿
Autor:
Fonte: O Globo, 28/05/2005, O Mundo, p. 24
Líder da rebelião estudantil de maio de 1968 na França, Daniel Cohn-Bendit é hoje líder verde no Parlamento Europeu e defensor da Constituição européia, que considera ¿um compromisso entre culturas constitucionais diferentes¿.
O senhor acredita que a Europa está sendo construída sobre um modelo neoliberal?
DANIEL COHN-BENDIT: Dizer que a Europa é neoliberal nada significa. Durante muito tempo a Europa foi só um mercado comum. Depois ficou mais evidente a necessidade de superar essa idéia mercantilista. Foi quando vieram a derrubada do comunismo e a unificação alemã. Uma das condições para a construção européia tem sido justamente que nenhum país possa ser hegemônico no continente. A unificação alemã, com 80 milhões de habitantes no coração da Europa, despertou temores e, para se estabilizar, a Europa mercantil decidiu criar uma moeda comum.
O euro é o ponto sem volta da construção européia?
COHN-BENDIT: Não acho que haja um ponto sem volta. O euro é um ponto fundamental do reforço da união. Em todo caso, os que estão contra o tratado constitucional deveriam pensar algo: imagine a guerra no Iraque. Suponhamos que o euro não existisse. É evidente que os americanos, com o dólar, teriam atacado todos os países que estavam contra a guerra. O euro impediu essa estratégia imperialista, bem conhecida. Ali vimos a importância do euro nos momentos de crise.
O que o senhor acha do texto da Constituição européia?
COHN-BENDIT: É produto de uma convenção entre 210 representantes de todos os países da UE.
Foi uma negociação do tipo ¿toma-lá-dá-cá¿?
COHN-BENDIT: Foi muito mais que isso. Talvez esse tratado seja um compromisso, mas é um compromisso entre culturas constitucionais diferentes. Essa Constituição nos dá armas para saber como poderemos fazer emendas nela.
E por que a França tem essa reação de mau aluno na escola, preparando-se para votar contra a Constituição européia?
COHN-BENDIT: A construção européia questiona o que tem sido o fundamento da nação francesa. Os franceses acham que a Europa deve ser uma França grande. E como a Europa nos obriga a compartilhar soberania, quer dizer, a reformar a concepção do Estado, para os franceses a Europa acaba debilitando as defesas.
É exatamente o oposto.
COHN-BENDIT: Existe a falsa idéia de que o ¿não¿ à Constituição é um ato revolucionário. Dizendo ¿não¿, dizemos ¿não¿ ao neoliberalismo. É preciso explicar que dizer ¿sim¿ a esta Constituição é se dar à possibilidade de sermos donos de nosso destino. Este é um debate muito sartreano. Temos a liberdade de escolher a forma de organizar nossa vida e cumprir um papel frente à hegemonia americana. A questão não é ir contra os EUA, aos quais devemos muito. O dilema é: queremos um mundo unilateral ou um modelo social em que o futuro europeu possa se afirmar?
Há 30 anos o senhor era considerado um vermelho pela direita. Hoje é um deputado verde.
COHN-BENDIT: Sim, sou um verde, à minha maneira. Acho que há muitas formas de estar num partido. Sou alguém que trata de antecipar certas posições que acredito serem necessárias. O grande perigo de um partido político é que funciona num círculo vicioso e fechado. Os partidos têm necessidade de se verem confrontados com posições diferentes, não somente externas, mas sobretudo internas. Este é um papel que tenho.
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