Título: PRIMEIRA ELEIÇÃO SEM SÍRIOS NÃO DEVE RENOVAR LÍBANO
Autor: Roberto Fisk
Fonte: O Globo, 28/05/2005, O Mundo, p. 27

Ímpeto de renovação democrática após assassinato do ex-premier Hariri dá lugar a velhas práticas em país marcado por sectarismo e polarização política

BEIRUTE. Lá se foram os gloriosos dias da oposição libanesa, quando cristãos e muçulmanos marchavam juntos em Beirute para exigir a verdade sobre o assassinato de Rafik Hariri, a retirada do Exército sírio e eleições livres. A ONU ainda está investigando o crime, os sírios foram embora, mas parece que as eleições parlamentares serão tão sectárias como sempre foram. Elas começam amanhã ¿ estendendo-se por mais três domingos em áreas diferentes ¿ e demonstrarão o quão divididos estão os libaneses em sua nova ¿unidade¿.

Oposição deverá comandar o novo Parlamento

É verdade que os sírios não estarão mais vigiando, pela primeira vez em três décadas. E, apesar da esperta modificação dos distritos eleitorais pelos aliados libaneses da Síria em 2000, a oposição provavelmente comandará o novo Parlamento. Mas como ela vai defenestrar o presidente Émile Lahoud ¿ um dos últimos símbolos de ¿sirianismo¿ no país ¿ ainda não está claro.

Em fevereiro e março, parecia tudo muito simples. Líderes cristãos maronitas, o chefe druso Walid Jumblatt, e Bahia e Saad Hariri ¿ irmã e filho do assassinado ex-premier ¿ caminhavam juntos na Praça dos Mártires para exigir democracia no Líbano. Mas então o general Michel Aoun voltou de seu exílio de 15 anos em Paris e disse que pretendia ¿salvar¿ o Líbano. Basta de sectarismo, ele gritava. Basta de corrupção. É preciso ter valores nacionais. Parecia bom, até que caiu a ficha de que ele tinha tanto desprezo pela oposição oficial como tinha pelos sírios.

Muitos libaneses acreditam que os sírios mataram Hariri, e Jumblatt certamente acreditava que eles o matariam também após eliminarem o ex-premier. Mas Aoun anunciou na semana passada que Hariri e Jumblatt eram tão ruins como Rustum Ghazaleh (o antigo chefe da inteligência militar síria no Líbano) porque eles tinham cooperado com Damasco.

Foi uma acusação despropositada, mas ajudou a assegurar que os cristãos direitistas votem nos candidatos de Aoun em vez de apoiarem a coalizão Hariri-Jumblatt.

O Líbano vota num complexo sistema em que o Parlamento de 128 cadeiras é dividido meio a meio entre cristãos e muçulmanos, ainda que estes sejam 59% da população e aqueles, 41%. A reclamação de Aoun é que, com a modificação dos distritos eleitorais, pelo menos 15 deputados cristãos serão eleitos em áreas predominantemente muçulmanas ¿ homens que devem seguir as orientações sírias no Parlamento. Além disso, tantos candidatos já abandonaram a campanha que 15 cadeiras já têm seus ocupantes garantidos antes mesmo do pleito, entre eles nove membros do partido de Hariri, incluindo seu filho Saad.

Tudo isso tem gerado um clima de cinismo e revolta em boa parte do eleitorado.

¿ Eu acreditava na mudança, como todos os meus amigos. Deixamos tudo de lado e fomos para as ruas por mudanças ¿ disse Ramzi Majeed, de 25 anos, empregado de um restaurante em Beirute. ¿ Mas o que aconteceu... Em vez de mudanças, eles mataram a democracia e tudo que pedíamos. Não protestamos para termos deputados sem eleições.

A coalizão Hariri-Jumblatt em Beirute se aliou ao partido pró-Síria Hezbollah. Ironicamente, Aoun se aliou a vários candidatos pró-Síria. Na guerra civil (1975-1990), as milícias de Jumblatt e as tropas de Aoun lutaram ferozmente nos morros sobre Beirute.

Resultados são previsíveis, diz jornalista

As eleições são previsíveis. Saad Hariri vai dominar a oposição no Parlamento, Jumblatt vai dominar os drusos, e os cristãos estarão, como sempre, divididos. Vários deputados pró-Síria serão eleitos, o Hezbollah controlará o sul e sua aliança com o grupo Amal garantirá a reeleição do xiita Nabih Berri, presidente do Parlamento há 13 anos.

¿ Está claro até para os cegos que as eleições terminaram antes mesmo de começarem, especialmente em Beirute e no sul ¿ criticou o comerciante Issam Balmoni, de 47 anos.

No entanto, será uma tarefa difícil tirar o último homem da Síria do palácio presidencial.

Com agências internacionais