Título: Ricos erram, emergentes pagam
Autor: José Meirelles Passos
Fonte: O Globo, 27/05/2005, Economia, p. 17
Os maiores banqueiros do mundo alertaram ontem os países emergentes para se prepararem para um provável freio nos investimentos no ano que vem, que atingiria a maioria dessas nações. Na avaliação dos banqueiros que integram o Institute of International Finance (IFF), os investidores internacionais estão mais cautelosos diante dos crescentes riscos da economia mundial, provocados pelos países ricos e, sobretudo, pelos EUA. E, portanto, passarão a investir apenas em países que mantenham uma disciplina fiscal e monetária exemplar.
Essa movimentação deve encerrar um período no qual os mercados emergentes vinham recebendo grande volume de investimentos. Em 2003, foram US$223 bilhões. Em 2004, US$300 bilhões, e para 2005, estão projetados US$313 bilhões. Ao fazer a advertência ontem, em nome de 340 grandes bancos de 60 países, o vice-presidente do IIF, William Rhodes, do Citigroup, disse que o mundo está entrando num período no qual liqüidez diminuirá (ou seja, a quantidade de dinheiro em circulação será reduzida) e os juros subirão. Segundo Rhodes, será "um período de grande risco e vulnerabilidade":
- A História e a experiência nos dizem que em tempos como esses se torna essencial uma prudente administração dos riscos, com os investidores dando atenção particular aos fundamentos que sustentam a economia - afirmou Rhodes.
Brasil não estaria ameaçado, diz IIF
A culpa pela deterioração do clima de investimentos, segundo o IIF, é principalmente dos países ricos - e, em especial, dos Estados Unidos. Pressões inflacionárias, aumento dos juros, déficits generalizados, perspectivas de aumento do desemprego e de uma queda do consumo nos EUA, mais a desvalorização do dólar e o crescente preço do petróleo, são os fantasmas que deverão atormentar os países em desenvolvimento.
Segundo Rhodes, só vai se salvar quem continuar mantendo a disciplina fiscal e monetária, e intensificando as reformas estruturais. O Brasil, segundo ele, estaria num reduzido grupo de emergentes - junto de México, Coréia do Sul e Turquia - capaz de enfrentar os desafios:
- Basta agora manter o ritmo e o compromisso com uma sólida política econômica. O Brasil já conseguiu muita coisa nos últimos dois anos. O país está numa forma bem melhor do que a que tinha há sete anos - disse o vice-presidente do Citigroup.
Dólar pode sofrer queda desordenada
Ele acrescentou, porém, que "é imperativo que o Brasil continue indo adiante com as reformas, mantenha as suas políticas fiscal e monetária". Segundo Rhodes, há otimismo entre os investidores em relação ao país:
- O ministro (Antonio) Palocci é bem conceituado internacionalmente e dentro do Brasil. Estamos otimistas de que o governo será capaz de continuar o seu trabalho, mesmo considerando as eleições de 2006.
Ao seu lado, o diretor-gerente do IIF, Charles Dallara, acrescentou que "a ficha do governo Lula é notável", e que as reformas estruturais já realizadas no país "são impressionantes":
- O importante é manter a disciplina, em especial tendo as eleições como pano de fundo. Sei que isso não é fácil, mas o Brasil já mostrou que é possível.
Rhodes, em seguida, disse que os mercados financeiros "estarão olhando com muita atenção" o que acontecerá no Brasil, nas áreas fiscal e monetária, no período eleitoral. E Yusuke Horiguchi, economista-chefe do IIF, comentou:
- Apesar dos problemas que o PT tem enfrentado, e de outros assuntos internos que complicam a vida do governo, o presidente Lula continua gozando de grande popularidade e tem se mostrado capaz de enfrentar bem os problemas que surgem.
Estudo realizado pelos banqueiros mostrou que há "uma falta de convicção do mercado sobre a robustez do crescimento dos EUA", apesar da expansão acima do esperado do Produto Interno Bruto (PIB) americano no primeiro trimestre, divulgado ontem. A persistência de enormes desequilíbrios de contas correntes globais, com o déficit externo americano chegando ao equivalente a 6% do PIB, também vem contribuindo para a cautela e a expectativa de retração dos investidores.
"A falta de perspectivas para uma ação política coordenada das maiores economias levanta a possibilidade de uma depreciação desordenada do dólar. Tal depreciação poderia empurrar os juros dos EUA bem além das expectativas atuais, com conseqüências adversas para as taxas cambiais".
Essa depreciação do dólar enfraqueceria a produção na zona do euro e no Japão, enquanto altas taxas de juros reduziriam a demanda doméstica nos EUA - o que diminuiria o crescimento das exportações e da economia dos países emergentes.