Título: SOMBRA DA DERROTA PAIRA SOBRE O 'SIM' NA FRANÇA
Autor: Deborah Berlinck
Fonte: O Globo, 27/05/2005, O Mundo, p. 22
PARIS. Um clima de derrota tomou conta ontem do governo francês e dos políticos partidários do "sim", às vésperas do referendo que decidirá domingo se o país aprova a Constituição Européia. Com pesquisas indicando vitória do "não" (54% dos eleitores), muitos se perguntavam se resta alguma margem de manobra. A França é um dos fundadores da União Européia (UE) e a perspectiva do "não" é considerada desastrosa pelos parceiros do bloco. Só uma esperança se mantinha: as pesquisas poderiam estar erradas.
A prova do desespero veio com a declaração do presidente Jacques Chirac, em rede nacional de TV. Ele disse que era um dever seu esclarecer as conseqüências da vitória do "não" e pintou um cenário dantesco:
- A rejeição do tratado será vista pelos europeus como um não à Europa. E vai abrir um período de divisão, de dúvidas, de incertezas. É uma ilusão imaginar que a Europa vai recomeçar melhor com um outro projeto. Porque não há outro projeto. A Europa vai entrar em pane, à procura de um consenso. O mundo, por sua vez, vai continuar a avançar. E a França será menos forte para defender seus interesses.
Jornais refletiram climade derrota no país
Chirac prosseguiu, em tom dramático:
- Que responsabilidade diante da História, se a pátria dos direitos humanos impedir a entrada em vigor da Carta! Que responsabilidade da França, país fundador da Europa, correr o risco de quebrar a união do nosso continente!
A reação ao discurso foi imediata. Jean-Marc Lech, presidente do Ipsos, um dos principais institutos de pesquisas da França, lamentou:
- Ótimo, mas muito tarde.
A manchete dos principais jornais ontem já refletia o clima de derrota. O "Le Monde" estampou o título "Os responsáveis políticos antecipam a derrota do 'sim". Já a manchete do "Libération" enumerava erros da campanha do "sim" e concluía: "À esquerda como à direita, os partidários da Constituição já não crêem na vitória".
O discurso de Chirac era esperado com ansiedade, pois poderia ser crucial para convencer os indecisos - 20% do eleitorado. Ele começou dizendo que os franceses não devem errar na decisão: o foco do referendo é a Europa e o futuro da França no continente, e não seu governo, disse. Com isso, mostrou saber que muitos votariam contra a Carta para penalizar o governo, acusado de não resolver problemas como o desemprego.
O presidente rebateu cada argumento dos partidários do "não". Deixando a linguagem diplomática de lado, disse que a Turquia só vai entrar na UE se os franceses aprovarem, por referendo. Com isso, tocou na ferida de muitos que estão convencidos de que a Carta abriria as portas para a entrada dos turcos no bloco, uma idéia que apavora a maioria dos franceses.
Chirac insistiu que a Carta protege o modelo social francês e os serviços públicos, e não os destrói, como dizem críticos. Garantiu que a França, se aprovar a Constituição, terá mais votos e, portanto, mais força para lutar pela Política Agrícola Comum, isto é, pela manutenção dos subsídios europeus a seus agricultores, ameaçada.
- Nós somos os primeiros quando estamos unidos. Uma potência européia para humanizar a globalização. Queridos compatriotas, o "sim" dará à França mais força para pesar sobre as escolhas da Europa - pregou.
O presidente terminou o discurso abordando o que mais assusta os franceses: a perspectiva de uma Europa na mão dos ultraliberais.
- Se a França se enfraquecer, se a dupla França e Alemanha se enfraquecer, se a Europa se dividir, os que têm uma concepção ultraliberal da Europa vão assumir o comando. Eles vão nos levar a uma Europa sem ambição política ou espírito de independência. Uma Europa reduzida a uma simples zona de livre comércio.