Título: DINHEIRO RETIDO PELO GOVERNO EMPERRA OBRAS
Autor: Lydia Medeiros
Fonte: O Globo, 30/05/2005, O País, p. 4

Até projetos considerados prioritários na área de infra-estrutura, como a transposição do Rio São Francisco, são afetados

BRASÍLIA. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva iniciou 2005 em sintonia com o calendário da reeleição. Prometeu um ano de realizações, especialmente na área de infra-estrutura, sonhando viajar pelo país e inaugurar grandes obras que marcassem sua presidência. O problema de Lula é que o dinheiro simplesmente não sai do cofre, devido à austeridade da política fiscal, e o presidente pode perder o discurso de candidato empreendedor no palanque de 2006.

A lei orçamentária mostra que dos R$21 bilhões aprovados pelo Congresso para investimentos, um terço foi reservado para grandes obras. As principais delas, como transposição do Rio São Francisco e Ferrovia Transnordestina, receberam muito pouco até agora. Levantamento feito pela assessoria técnica do PSDB no Siafi, sistema que monitora os gastos federais, informa que, até agora, o governo só autorizou, no total, gastos de R$2 bilhões.

Governo reteve R$8,6 milhões dos recursos

A realidade é ainda mais dura para os planos presidenciais, porque o governo reteve R$8,6 bilhões dos recursos de investimento. O PT, partido do presidente, começa a se preocupar com os números pífios de um ano que seria o grande salto do governo.

¿ O desembolso é pequeno frente ao que foi projetado. O governo precisa soltar as amarras e dar prioridade à infra-estrutura, para dar competitividade à produção nacional ¿ inquieta-se o líder do PT, senador Delcídio Amaral (MS).

O estudo dos tucanos verificou a execução do orçamento para investimentos de maior vulto, com dotação superior a R$30 milhões por obra ou projeto. Somam R$7,5 bilhões mas apenas 0,51% desse valor foi pago (R$38,7 milhões) até agora. O gasto autorizado (empenhado) foi de R$1 bilhão.

Para a oposição, os dados do orçamento são prova da gestão ineficiente do PT. O líder do PSDB, deputado Alberto Goldman (SP), lembra que em 2004 sobraram R$6 bilhões em caixa, apesar do alto superávit nas contas do país. É dinheiro, calcula Goldman, ex-ministro dos Transportes, para deixar em ordem pelo menos 20 mil quilômetros de estradas, ou 40% da malha rodoviária federal. Segundo o deputado, o cronograma mostra que Lula chegará aos palanques do ano que vem sem a chance de exibir os resultados prometidos.

¿ Lula leva para a campanha de 2006 a única coisa que tem levado ao país: saliva, blablablá. Mas certamente vai dar informações falsas, como dizer que o nível de emprego aumenta, enquanto os índices da produção industrial estão em queda ¿ ataca o tucano.

O líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), completa:

¿ Para a reeleição Lula leva a demagogia, o marketing, um passado bonito. É um competidor, mas longe do favoritismo que os institutos apregoam.

A liberação de recursos é lenta. A integração das bacias do Rio São Francisco, por exemplo, espécie de xodó do presidente, tem custo total de R$4,5 bilhões. Para este ano, o governo previu R$519 milhões e empenhou R$14 milhões. O projeto sofre pressões políticas de governadores como os da Bahia e de Minas Gerais. Além disso, entidades ambientais contestam sua viabilidade com ações judiciais.

Lula precisa fechar parcerias para viabilizar obras

Grandes obras como as ferrovias Transnordestina e Norte-Sul são anunciadas pelo presidente em discursos como marcos do governo. Mas dependem da formação de parcerias público-privadas, as PPPs, uma engenharia jurídica e técnica delicada, de difícil execução. Mas até o governo admite que só mesmo reeleito Lula assinará uma PPP, ou seja, na campanha presidencial, as parcerias ainda serão apenas promessas.

A construção de um trecho da BR-163, no Pará, não recebeu um tostão dos R$10,7 milhões previstos no orçamento deste ano. A ferrovia Transnordestina, em Pernambuco, citadíssima pelo presidente, tem R$3,9 milhões no orçamento e é uma das apostas para PPP. Foram empenhados parcos R$300 mil. Outra obra sempre tratada como prioridade, a ferrovia Norte-Sul, tem desempenho melhor: dos R$75 milhões orçados, o governo autorizou o gasto de R$40 milhões. Mas só pagou R$2,2 milhões até agora.

No Ministério das Cidades, os investimentos superiores a R$30 milhões ainda aguardam a assinatura dos empenhos. Obras de infra-estrutura urbana em municípios com mais de 100 mil habitantes na Bahia, em Minas e em São Paulo não tiveram um centavo liberado. O programa de de habitações populares, estimado em R$33 milhões, também está parado , de acordo com os dados do PSDB pesquisados no Siafi.

Na área de transportes, os R$3 bilhões estimados para construção e reparos em rodovias demoram a sair do papel: foram liberados R$582 milhões.

Presidente segue fazendo promessas e traçando planos

Mesmo com tanta penúria, Lula faz planos e anuncia sua presença em inaugurações. Ele disse ao governador Jarbas Vasconcelos (PMDB), um cobiçado aliado para 2006, que estará em Pernambuco em julho. Quer anunciar, ao lado do presidente Hugo Chávez, a construção de uma refinaria pela Petrobras e pela estatal venezuelana PDVSA. Animado, o presidente fez mais promessas. Afirmou que a refinaria é só parte de uma série de ações para o Nordeste, como a ligação da ferrovia Transnordestina com o porto de Pecém, no Ceará, e a implantação de várias unidades de Biodiesel na região. Mas Lula ouviu queixas: Jarbas pediu mais a liberação dos recursos para o porto de Suape.