Título: ANDRÉIA E A BUSCA DE UM NOME
Autor: Fernanda da Escóssia
Fonte: O Globo, 30/05/2005, O País, p. 14

Desempregada moradora da Zona Oeste do Rio espera dois anos e consegue se registrar

Depois de uma batalha judicial de dois anos, a desempregada Andréia Clemente de Souza conseguiu na semana passada, aos 23 anos, um direito garantido por lei: o registro de seu nascimento. Na família de Andréia há 15 pessoas sem documento, entre elas a mãe da jovem, Rosângela Bruna, e as filhas de Andréia.

¿ Eu estava cansada de não ter documento algum dizendo quem eu era. Fui atrás e consegui.

Munida apenas da declaração da maternidade onde nasceu, em Santa Cruz, Andréia foi ao Fórum da região e obteve um pedido de busca nos cartórios de registro de pessoas naturais do Rio. Obteve em todos um ¿nada consta¿ ¿ uma prova de que ela nunca fora registrada em algum deles. O objetivo disso é evitar a chamada duplicidade, ou seja, que uma pessoa que já tem registro seja registrada novamente.

O registro de Andréia foi emitido no dia 16 deste mês. A moça conta que, quando recebeu a certidão, sentiu uma mistura de alegria e desapontamento. No documento não constam os nomes dos pais. A mãe de Andréia, Rosângela, não é registrada. E o pai perdeu os documentos há muito tempo e nunca tirou segunda via.

¿ Eu até quis rasgar a certidão. Mas a juíza falou que não, que esse registro já era melhor do que nada.

Em Paciência, na Zona Oeste do Rio, onde a jovem vive, ainda há casos de crianças e adultos sem registro de nascimento. Muitos procuram a paróquia da região, Igreja de Jesus Salvador do Mundo, em busca de ajuda.

¿ A gente procura ajudar e orientar, encaminha para os órgãos responsáveis. Tenta ajudar, por exemplo, dando o dinheiro do ônibus. Mas eles às vezes vão e voltam e não conseguem nada, aí acabam desistindo ¿ afirma Valdi Marciano da Silva, líder comunitário da região e membro da Sociedade São Vicente de Paula, que realiza trabalhos comunitários na paróquia.

Provas distintas para comprovar a origem

O presidente da Arpen (Associação dos Registradores de Pessoas Naturais), Jaime Araripe, que reúne 8.300 cartórios de registro civil em todo o país, diz que quando a criança tem até 12 anos de idade pode ser registrada sem problemas pelos pais. A mãe pode, se necessário, registrar sozinha, e a informação de paternidade pode ser incluída depois. Por lei, a primeira via do registro de nascimento é gratuita. Dos 12 aos 18 anos, é necessária autorização judicial, mas os pais podem fazer o requerimento.

Depois dos 18 anos, fazer o primeiro registro fica mais complicado. É preciso realizar uma busca nos cartórios, como aconteceu com Andréia, para saber se aquela pessoa de fato não está registrada.

¿ Precisamos comprovar, por exemplo, se a pessoa não é fugitiva da Justiça e está tentando trocar de identidade. Ou se perdeu o registro, o que pode ser resolvido com a segunda via do documento ¿ diz Araripe.

As Corregedorias de Justiça de cada estado têm recomendações diferentes para tirar o registro civil de adultos. Podem exigir tipos diferentes de provas, desde testemunhas até exame da idade óssea.

Depois da certidão, outros documentos

Agora que conseguiu se registrar, Andréia quer tirar os outros documentos, principalmente a carteira de identidade e a carteira de trabalho. Quer também registrar as quatro filhas, Adriana, de 8 anos, Raiane, de 7, Raíssa, de 6, e Rosilane, de 2. No terceiro casamento, grávida pela quinta vez, Andréia está fazendo o pré-natal e sabe que a criança é do sexo masculino. O pai do bebê, Jessé José do Nascimento, de 22 anos, tem todos os documentos em ordem e quer registrar a criança.

¿ O que falta agora é só escolher o nome. Seja lá qual for, vou registrar assim que nascer, para que ele nunca passe pelo que eu passei.