Título: `BC IGNORA IMPACTO FISCAL DOS JUROS¿
Autor: Gustavo Villela e Critina Alves
Fonte: O Globo, 30/05/2005, Economia, p. 23

Economista defende meta de inflação que expurgue alta de tarifas: `teoria econômica moderna¿ recomenda, diz

Há 35 anos estudando e ensinando nos EUA, o economista brasileiro José Alexandre Scheinkman, 57, está de malas prontas para voltar a visitar o país. Crítico da política monetária do Banco Central, ele se diz preocupado com os efeitos da elevação dos juros sobre a dívida pública. Centra fogo contra a meta de inflação e defende um sistema que reflita melhor o movimento dos preços ¿ expurgando, por exemplo, as altas de tarifas administradas. Mas Scheinkman, hoje professor de Princeton, também vê avanços na política econômica (como o superávit fiscal) e em programas sociais. Embora condene o ¿catastrofismo¿ quanto ao futuro, Scheinkman, que participará em junho de seminários do Ibmec no Rio e em São Paulo, conclui: ¿Todos nós, brasileiros, temos direito a uma certa impaciência. E a pedir que mais progresso seja feito mais rápido¿.

Como o senhor analisa a economia brasileira? Quais os maiores avanços e fracassos do governo Lula?

JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN: Há duas coisas importantes que o governo Lula fez. Primeiro, a manutenção e a expansão do superávit fiscal. Em particular, tomando medidas como a reforma da Previdência, que ajuda o superávit no longo prazo. A segunda foi uma série de reformas microeconômicas centradas no Ministério da Fazenda, e envolvendo o da Justiça, para melhorar o clima para as pessoas investirem e trabalharem no Brasil. A equipe da Fazenda entendeu que não haverá crescimento sustentável no país sem melhoria da questão da pobreza e da desigualdade.

Na área social, quais são os maiores desafios?

SCHEINKMAN: Há programas que têm efeito, como o Bolsa Escola, agora o Bolsa Família, e acho que precisamos aumentar gastos nessa direção. São programas que transferem renda para famílias mais pobres e, ao mesmo tempo, dão incentivos para que as famílias invistam em suas crianças.

Quer dizer, ao contrário das suas críticas no primeiro ano do governo Lula, o senhor acha que agora o dinheiro está chegando a quem mais precisa, mas ainda é pouco?

SCHEINKMAN: Ainda não é o suficiente. É preciso chegar mais, sim. Em relação aos gastos que o governo faz dentro da rubrica social, isso ainda é uma parte pequena.

Houve críticas e denúncias sobre desvios no Bolsa Família...

SCHEINKMAN: Isso sempre existirá. Não é problema particular do Brasil. E é muito importante o governo combater isso. Imaginar um programa desse sem fraude é imaginar fazer mil quilômetros com um litro de gasolina. Não está no campo do possível.

O BC elevou em excesso a taxa básica de juros (19,75% ao ano)?

SCHEINKMAN: A Selic está muito alta. O Banco Central ignora o impacto fiscal da Selic, o que é muito grave. Este ano o país pode gastar mais de 5% do PIB apenas com pagamento de juros reais. Isso é mais do que o superávit primário.

E isso poderá comprometer o crescimento do país este ano e em 2006?

SCHEINKMAN: Estou mais preocupado com a questão fiscal. Isso compromete uma coisa importante para o Brasil que é a redução da relação dívida/PIB. Um dos problemas do país é que essa relação está acima da que deveria estar para tranqüilizar a todos. Está acima de 50%, e muita gente diz que 30% e 35% é que seriam bom para o Brasil.

O governo, como alguns economistas defendem, deveria elevar o superávit fiscal?

SCHEINKMAN: Se fosse aumentar o superávit primário, cortando as despesas de deputados, de assembléias, seria algo muito bom... Agora, cortar investimento e aumentar imposto são coisas que não devem acontecer.

O senhor é favorável a algum tipo de renegociação da dívida?

SCHEINKMAN: Não. Não há a mínima necessidade de renegociar a dívida. É uma coisa extremamente perigosa. A taxa de juros do país é tradicionalmente alta, não tão absurda quanto está agora, porque o país já passou por vários planos.

E qual é a alternativa?

SCHEINKMAN: Em primeiro lugar, uma política monetária focada numa meta de inflação que reflita mais os preços que o Banco Central pode controlar, que não sejam os preços administrados (tarifas).

Então a meta de inflação deveria expurgar, por exemplo, tarifas públicas? O senhor defende isso?

SCHEINKMAN: Não só defendo, como a teoria econômica moderna também. O governo aumenta o preço da eletricidade, por motivos contratuais, políticos, fiscais, seja lá o que for, e aí o BC diz que o resto da economia tem que reduzir os seus preços.

O real está valorizado demais? Até que ponto isso pode afetar as contas externas e a competitividade?

SCHEINKMAN: Com a taxa de juros atual, se você conversar com os investidores, os hedges funds, aqui nos Estados Unidos, o Brasil tem a maior taxa real de juros do mundo... Evidentemente isso atrai (capitais especulativos e dólares, que reduzem a cotação do câmbio). Se há chance de ganhar 19,75% no Brasil e 2% e pouco na Europa... (risos).

E os déficits americanos?

SCHEINKMAN: O déficit dos EUA parece, para a maioria dos economistas, algo insustentável. Em primeiro lugar, é uma ameaça para a economia americana. Evidentemente, se a economia americana tiver algum problema, será um problema para a economia mundial.

No cenário atual, qual o papel que o senhor defende para o Estado?

SCHEINKMAN: Existe grande consenso: há tarefas muito importantes para o Estado, que às vezes pode ter parceria privada. Em quase todos os países do mundo a educação primária e secundária é principalmente provida pelo Estado. A outra questão é a da pesquisa e tecnologia. E é muito importante, no caso brasileiro, prover também maior segurança.

O senhor foi assessor de Ciro Gomes na campanha presidencial de 2002. Admite, em 2006, colaborar com algum candidato?

SCHEINKMAN: Não fui contatado por ninguém. Minha ligação na época com o (hoje) ministro Ciro Gomes ocorreu porque eu tinha um conjunto de idéias que um amigo comum apresentou a ele. Eu, como acadêmico, estou sempre disposto a colaborar. Mas não está nos meus planos voltar para assumir um posto no governo.

O senhor gostaria de fazer alguma consideração final?

SCHEINKMAN: Não tenho uma visão catastrofista do Brasil. O meu sentimento é que o Brasil tem um potencial muito grande, houve grande progresso. Acho que todos nós, brasileiros, temos direito a uma certa impaciência. E pedir que mais progresso seja feito mais rápido.