Título: ÁGUA VERDE DE LAGOAS DA BARRA MATA COBAIAS
Autor: Túlio Brandão
Fonte: O Globo, 29/05/2005, Rio, p. 19

Estudo da Feema revela presença de algas com toxinas que atacam o fígado em mais da metade das amostras

O caldo verde opaco que em algumas épocas do ano toma conta das lagoas da Barra e de Jacarepaguá é altamente tóxico. Estudo inédito da Feema realizado nos últimos dois anos com camundongos de laboratório revelou, em mais da metade dos bioensaios realizados, a contaminação da água por algas com toxinas que atacam o fígado. As cobaias em que o teste deu positivo morreram. Análises revelaram ainda que amostras da água continham índices de até 98% de cianobactérias ¿ algas que podem ou não ser tóxicas ¿ acima do limite tolerado.

A chefe de Qualidade da Água da Feema, Fátima Soares, explica as causas e reconhece que o problema é antigo:

¿ As algas são atraídas por diversos fatores, entre eles o impacto provocado pelo homem. Há uma situação histórica muito grave em relação à carga orgânica da poluição naquelas águas, mas o estado investe para mudar o quadro. Agora mostramos que há algas tóxicas, mas há pelo menos dez anos estudos acadêmicos alertam para a existência de cianobactérias na região, sem comprovar a toxicidade.

Estudos dirão se consumo de peixes deve ser vetado

Nas amostras coletadas pela Feema nos meses de julho a setembro, o número de algas com potencial tóxico é maior, mas o problema já foi registrado em outras épocas do ano.

Como o estudo da Feema foi realizado apenas em cobaias, Fátima diz não ter como comprovar a contaminação dos peixes, mas faz um alerta:

¿ A presença confirmada das toxinas é um problema. Não temos mortandade de peixes associada às algas, mas a presença de algas potencialmente tóxicas é um risco.

O secretário estadual de Meio Ambiente e vice-governador do estado, Luiz Paulo Conde, vai pedir exames complementares antes de decidir sobre alguma restrição ao consumo de peixes das lagoas.

¿ Faremos exames complementares para decidir se recomendaremos a proibição do consumo de peixes da região. Nos próximos dias, chamarei biólogos e especialistas para discutir a questão. Mas é importante dizer que, quando a obra de saneamento da Barra e de Jacarepaguá estiver pronta, vamos acabar com o esgoto naquela região ¿ diz Conde.

Não há um estudo atualizado sobre a contaminação de peixes, mas ainda vale o realizado pelo Departamento de Biofísica da UFRJ em 1999. Foram encontradas na carne dos peixes da Lagoa de Jacarepaguá toxinas que atacam o fígado, em concentrações até 42 vezes acima do limite permitido pela Organização Mundial de Saúde.

¿ O valor absoluto pode variar, mas, se não houve melhora na qualidade da água, teremos, com freqüência, índices altos de toxinas nos peixes daquela região ¿ explica bióloga especialista em algas Sandra Azevedo, professora do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, da UFRJ.

O estudo da UFRJ foi feito com os peixes coletados por pescadores da colônia Z-13. Especialistas escolheram para análise a tilápia, uma das poucas espécies que resistem à poluição da região. Em caso de ingestão do peixe contaminado, diz a bióloga, a toxina pode provocar males como gastroenterite, hepatite e câncer no fígado:

¿ Há um problema social. Para famílias de pescadores da região, os peixes não são apenas o meio de subsistência como também a base nutricional. Nesses casos, a contaminação é mais grave, por ser contínua. Pode haver, sim, nessas comunidades, um aumento de casos de câncer hepático.

No poluído canal do Anil, que desemboca na Lagoa de Jacarepaguá, alguns pescadores evitam consumir o peixe.

Pescadores ameaçam recorrer à Justiça

O vice-presidente da Associação de Pescadores do Canal do Anil (parte da colônia Z-13), Francisco Alberto dos Santos, diz que em casa a mulher e seus dois filhos não consomem o pescado da região.

¿ Vendemos os peixes a grandes embarcações, para servir como isca. Alguns pescadores e suas famílias ainda consomem o pescado, porque não acreditam na contaminação. Mas, lá em casa, preferimos não comer ¿ diz ele, lamentando a publicação de mais um estudo sobre a contaminação. ¿ Vivemos daqueles peixes.

O presidente da colônia Z-13, Ricardo Mantovani, diz no entanto que ainda há peixes vendidos a entrepostos como a Ceasa. Se a pesca for restringida nas lagoas, diz ele, a colônia vai reagir dentro da lei:

¿ Aquilo é uma bacia de esgoto. A partir do momento em que algum órgão oficialmente informar o risco, vamos interromper a pesca e automaticamente entrar com uma ação indenizatória contra o poder público e os outros responsáveis pela poluição ¿ diz ele.

A Secretaria estadual de Meio Ambiente informa que, além do saneamento, estão sendo feitas ainda a limpeza e a dragagem de rios, canais e lagoas da região. As obras são da Cedae e da Superintendência Estadual de Rios e Lagoas (Serla). Segundo Conde, quando concluído, o conjunto de obras afastará em definitivo a ameaça de poluição das praias e lagoas da Zona Oeste.