Título: LIGHT: AOS CEM ANOS, À PROCURA DE NOVOS SÓCIOS PRIVADOS
Autor: Ramona Ordonez e Mirelle de França
Fonte: O Globo, 29/05/2005, Economia, p. 30

Empresa, que está prestes a recuperar saúde financeira, quer parceiros que conheçam os problemas do país

Ao completar um século, a Light está recomeçando. A distribuidora ¿ responsável pelo fornecimento de energia de 3,4 milhões de consumidores no Rio ¿ vive um momento crucial para seu futuro: além de estar perto de concluir a reestruturação de sua dívida, hoje de US$1,5 bilhão, também planeja encontrar um parceiro brasileiro privado.

A reestruturação, que prevê um financiamento de R$727 milhões no BNDES, pode transformar o banco estatal em sócio da Light com até 20% de participação, mas, de acordo com o presidente da companhia, Jean Pierre Bell, há interesse em ter no controle um grupo nacional que conheça o mercado brasileiro.

¿ É muito importante ter do outro lado da mesa, no Conselho de Administração, um sócio brasileiro, que conheça o país, a cultura ¿ disse Bell, sem citar nomes.

Acordo com BNDES deve sair até o final de junho

A operação com o BNDES deverá ser concluída até 30 de junho. Antes disso, a Électricité de France (EDF), controladora da Light, terá de transformar em participação acionária um crédito de US$400 milhões que tem junto à distribuidora. Essa é a etapa final do acordo, que incluiu a renegociação de US$660 milhões com bancos privados.

A empresa, que desde 2002 tem como controladora apenas a francesa EDF, já foi estatal por 17 anos ¿ de 1979 a 1996, quando foi privatizada. O comando, então, passou ser dividido entre a EDF, as americanas AES e Houston, e a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Do seu surgimento até tornar-se estatal, a Light era comandada por um grupo canadense que se chamava The Rio de Janeiro Tramway, Light and Power Company.

A história da Light está ligada à vida do Rio de Janeiro. Bell lembra que a empresa foi pioneira ao trazer avanços modernos para a cidade: luz elétrica, telefonia e linhas de bonde.

A última grande crise da Light ¿ que teve prejuízo nos últimos sete anos ¿ teve início logo após sua privatização. Adriano Pires Rodrigues, do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE), disse que houve erros de gestão logo após a venda da empresa. Cada sócio tinha sua cultura e modo de gestão diferentes. Em 1998, a empresa foi prejudicada quando seus principais controladores ¿ na época, EDF e AES ¿ a usaram para comprar a Eletropaulo, distribuidora paulista de energia, e se endividaram em moeda estrangeira. No ano seguinte, com a desvalorização do real, a companhia sofreu um baque em suas finanças e suas dívidas cresceram.

O golpe final foi o racionamento de energia em 2001, que provocou uma queda de 15% no consumo. O acúmulo de problemas fez com que a Light suspendesse o pagamento aos bancos credores em 2003. Já em 2004, Adriano Pires lembra que a empresa teve o menor reajuste tarifário das distribuidoras: 5%, enquanto a média das demais foi de 13,9%.

Outro desafio enfrentado pela Light nos últimos anos ¿ e que se tornou um problema crônico para a empresa ¿ é a perda de energia. Os chamados ¿gatos¿ provocam uma redução anual da receita de R$600 milhões. Segundo o presidente da companhia, estão sendo investidos cerca de R$100 milhões por ano para reduzir as perdas.

Oswaldo Telles Filho, analista do setor elétrico do banco Banif Primus, afirma que as perdas minam a geração de caixa da companhia:

¿ Só com o furto de energia, a Light perde anualmente de 10% a 15% do total da receita. No total (incluindo as perdas técnicas), esse percentual chega a 25%. O problema é cultural e está relacionado com a área de concessão da companhia.

Empresa manteve qualidade de serviço apesar da crise

Apesar de ressaltar que a Light enfrentou uma sucessão de problemas ¿ inclusive erros de gestão ¿ nos últimos anos, o analista do Banco UBS Gustavo Gattass afirma que a empresa tem a chance, agora, de se recuperar:

¿ É possível que a Light dê a volta por cima, diante do acordo de reestruturação e da correção no reajuste da tarifário.

O diretor financeiro da Light, Paulo Roberto Ribeiro Pinto, explicou que, pelo programa de ajuda às distribuidoras, o BNDES pode transformar até 30% do valor financiado em participação na companhia. E acrescentou que a empresa propôs ao banco aumentar a participação no valor total do financiamento.

Mas, em um ponto, todos concordam. Apesar de todas dificuldades financeiras enfrentadas, a Light manteve e até melhorou a qualidade dos serviços prestados. A Duração Média das Interrupções (DEC) caiu de 24 horas, em 1996, para 8,3 horas no ano passado. Já o Número Médio de Interrupções (FEC) caiu de 14,6 horas, em 1997, para 6,3 em 2004.

¿ A prioridade da Light sempre foi e será o atendimento ao cliente. Ele não foi prejudicado com a crise, o acionista é que deixou de ganhar ¿ disse Bell.