Título: DESILUDIDOS, OS ALEMÃES REDESCOBREM MARX
Autor: Graça Magalhães
Fonte: O Globo, 29/05/2005, Economia, p. 31

Às voltas com alto desemprego e baixo crescimento, coalizão social-democrata critica fundos de investimento

BERLIM. Com uma redução nas previsões de crescimento de 1,6% para 0,7%, e ainda sem uma receita adequada para combater o alto desemprego do país, que atinge cerca de cinco milhões de pessoas, o governo alemão sepultou o modelo da terceira via e redescobriu Marx, na crítica aos capitalistas, que são como ¿pragas de gafanhotos contra os pobres trabalhadores¿.

¿ Muitos investidores não desperdiçam um único pensamento com as pessoas cujos empregos destróem. Eles são anônimos, não têm face e atacam as empresas como pragas de gafanhotos, ceifam os empregos e vão de novo embora. Nós combatemos essa forma de capitalismo ¿ disse, esta semana, Franz Müntering, presidente do SPD (Partido Social-Democrata), que governa em coalizão com o Partido Verde.

Trata-se de uma retórica que tem como principal objetivo reconquistar os eleitores da esquerda alemã, desiludidos com a política do governo. Ao contrário de outros países industrializados, como os Estados Unidos, que só tiveram lucros com a globalização, a Alemanha tem perdido com o fenômeno. Ou pelo menos assim pensa grande parte dos alemães.

¿ O povo tem a impressão de que os capitalistas, os investidores e os executivos têm muito mais dinheiro do que antigamente, enquanto a massa de empregados tem muito menos ¿ disse ao GLOBO Dietmar Gebert, do Instituto de Pesquisa da Economia Mundial de Kiel.

Os ¿gafanhotos¿ criticados pelo SPD, que é o partido do chanceler federal Gerhard Schröder, são os fundos de investimento, sobretudo americanos, que são hoje, segundo a revista ¿Stern¿, o maior empregador da Alemanha. Eles controlam cinco mil empresas e têm 400 mil empregados.

¿ Foi-se o tempo em que os alemães viam o seu país como uma potência econômica ¿ continua Gebert.

As empresas, chamadas de sociedades de private equity, compram firmas, para revender na bolsa com enorme lucro, capital que não fica na empresa negociada. O fundo KKR, por exemplo, comprou em 1999 a Siemens-Nixdorf (Heinz Nixdorf foi um dos pioneiros do computador na Alemanha). Cinco anos depois, a empresa foi vendida na bolsa por 350 milhões, sendo que apenas 125 milhões ficaram na empresa. A maior parte, 225 milhões de euros, foi embolsada pelo KKR.

Dietmar Gebert diz, no entanto, que nenhum governo tem condições de evitar negócios desse tipo, mas lembra que a ¿doença alemã¿ não é causada apenas pelos fundos de investimento. Apesar da reunificação do país, que custou ao estado nos últimos 15 anos cerca um trilhão de euros, o governo ainda não conseguiu impor as reformas necessárias.

No país, as pessoas sem recursos são inteiramente amparadas pelo estado (recebem tickets até para a compra de roupas nas lojas), e o déficit público ainda é alto, de 3,4% do PIB. Só em Berlim, a capital, mais de 300 mil pessoas, cerca de 10% da população, vivem inteiramente às custas do estado. Mas, enquanto a Associação Federal dos Empregadores acusa o governo de assustar os investidores com o debate, o SPD vai continuar explorando o tema capitalismo. Nas próximas semanas, será realizado um congresso sobre medidas de proteção contra o capitalismo selvagem.