Título: BATALHA DE ARROZ
Autor: Eliane Oliveira e Chico Oliveira
Fonte: O Globo, 31/05/2005, Economia, p. 19

Produtores reclamam de importações do Mercosul e pedem que governo compre excedente

Aconcorrência dos países do Mercosul ¿ que empurrou ladeira abaixo os preços (queda de quase 44% em dois anos) ¿ está levando a produção brasileira de arroz a uma grave crise. Por isso, o governo acompanhará, a partir de hoje, protestos de produtores do Sul do país, que afirmam estar à beira da falência. Os agricultores pedem restrições às importações de Uruguai e Argentina, e que o setor público compre, pelo menos, 1,5 milhão de toneladas de arroz excedente no mercado. A compra, negociada entre os ministérios da Agricultura e da Fazenda, custaria R$600 milhões aos cofres públicos.

Na safra deste ano, o Brasil plantou arroz em 3,860 milhões de hectares, dos quais 1,050 milhão no Rio Grande do Sul. Segundo o setor privado, a cadeia produtiva de arroz garante mais de 400 mil empregos diretos em todo o país.

A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) estima que em 2005 haverá um excedente de 2,3 milhões de toneladas de arroz no país. O Brasil produzirá 2,9 milhões de toneladas este ano, para um consumo nacional de 2,6 milhões de toneladas anuais. Mesmo assim, deverá importar 1,3 milhão de toneladas de arroz uruguaio e argentino.

Isso porque o produto do Mercosul entra no país com alíquota zero e seu preço é mais baixo, pois o custo de produção dos agricultores dos dois países vizinhos é menor. Com a oferta abundante, os preços despencam, o que afeta a rentabilidade dos produtores nacionais.

Brasil hesita em impor salvaguardas

Valter José Potter, presidente da Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul, reclama que o custo de produção é de cerca de R$30 a saca, enquanto os preços no mercado variam de R$17 a R$21. Segundo ele, para argentinos e uruguaios o custo é de no máximo R$20 a saca. Os agricultores pedem que o governo pague pelo excedente o custo de produção. E se queixam de que as importações reais são maiores que as oficiais, pois em seis dos nove pontos de passagem na fronteira não há balanças, e alguns caminhões transportariam mais do que o informado.

Até o fim da tarde de ontem, não havia resposta da área econômica sobre a liberação de recursos para a compra de arroz para elevar seu preço mínimo. Segundo fontes do Ministério da Agricultura, o volume adquirido pelo governo poderia ser utilizado tanto no aumento dos estoques reguladores como em programas de combate à fome.

¿ O que queremos é que o governo coloque em prática algo elementar, que é a garantia do preço mínimo ¿ disse o diretor da Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) Gilman Rodrigues.

O Ministério do Desenvolvimento hesita em aplicar salvaguardas às importações de Uruguai e Argentina, embora o Departamento de Defesa Comercial já venha analisando essa possibilidade. Atualmente, as limitações de produtos importados são frutos de acordos entre representantes dos setores privados, como calçados, têxteis e eletrodomésticos. Além disso, o Brasil sempre reagiu às tentativas da Argentina de aplicar salvaguardas a produtos brasileiros, com o argumento de que esse caminho não pode ser adotado em uma união aduaneira, como o Mercosul.

¿ Estamos sendo sacrificados pelo Mercosul. Nossas queixas não se restringem apenas ao arroz. Valem para soja, carnes, trigo e vinhos ¿ disse o presidente da Comissão Nacional do Arroz, Francisco Schardong.

Segundo fontes dos ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento, o mercado internacional não ajuda. No mundo, serão produzidas, em 2005, 400 milhões de toneladas de arroz. Mas o volume de negócios previsto envolve apenas 25 milhões de toneladas. O Brasil, lembram, é o único grande consumidor de arroz fora da Ásia.

¿ A crise é séria, e há uma negociação com o Ministério da Fazenda. Mas até agora não temos resposta ¿ disse um assessor do ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues.

Apesar das dificuldades dos agricultores, não há incentivo do governo para mudança de cultura, já que o Sul trabalha com irrigação, técnica própria à rizicultura. A Embrapa estaria trabalhando com a substituição do arroz pelo milho, mas os estudos ainda não terminaram.

Se hoje não houver uma resposta do governo, os produtores da região de Santa Vitória do Palmar prometem fechar a BR-471, que liga a cidade de Rio Grande a Chuí, na fronteira com o Uruguai, em 40 pontos, a partir de amanhã.