Título: Pinaud ameaça deixar presidência de comissão
Autor: Evandro Éboli
Fonte: O Globo, 19/10/2004, O país, p. 13

O presidente da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, o advogado João Luiz Duboc Pinaud, ameaçou ontem deixar o cargo. Há pouco mais de três meses na presidência da comissão, Pinaud disse que o governo não tem dado apoio às investigações sobre as mortes durante o regime militar, como a do jornalista Vladimir Herzog.

Um dia depois da divulgação de fotos de Herzog na prisão e de o Exército insistir que não há mais documentos nos arquivos oficiais sobre mortos e desaparecidos, Pinaud disse que as imagens mais uma vez comprovam as atrocidades cometidas na época.

¿ Essa imagens revelam o clima de terror, humilhação e degradação a que ele foi submetido antes de ser morto. Esclarece ainda mais o caso e valoriza a nossa convicção de que ele foi assassinado.

Pinaud criticou a nota divulgada pelo Comando do Exército sobre o surgimento das fotos de Herzog. No texto, o Exército continua negando a existência de documentos da época nos seus arquivos e afirma que o país vivia um momento subversivo que pretendia derrubar o governo militar. Os militares dizem que, com a anistia, não há mais espaço para revanchismo. Pinaud discorda:

¿ Não vejo como revanchismo, mas como uma correção de rumos. Não podemos apagar a tortura, algo cruel e covarde, com uma Lei de Anistia. Não há lei que faça esquecer a tortura.

No caso de Herzog, o processo já foi encerrado e a família, indenizada. Mas há ainda outros 163 processos parados na comissão. Mas Pinaud disse que tem havido interferências indevidas no trabalho da comissão e que não pretende participar de uma farsa.

¿ Se quiserem uma farsa, chamem um farsante e não um cara que não é farsante. Se não for para valer, não fico. Não participo de encenação ¿ disse João Luiz Pinaud ao GLOBO.

Pinaud diz que comissão sofre interferências políticas

De manhã, ao falar em reunião da Ordem dos Advogados do Brasil, Pinaud, sem dar nomes, criticou a atuação do governo junto à comissão.

¿ Eu não sinto é ambiente favorável em nível ministerial a uma apuração rigorosa dos casos, como eu acho que ela deve ser feita.

O presidente da comissão disse ainda que blindaram a sua gestão e que não o deixam trabalhar. Sem citar nomes, Pinaud revelou que enfrenta entraves burocráticos, interferências políticas indevidas e que o governo não prioriza sua comissão, pouco prestigiada. Ele disse que irá levar todas suas queixas ao ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, e, caso os problemas que aponta não forem solucionados, irá deixa a presidência da comissão.

¿ Me sinto desconfortável aqui. Não encontro apoio para apurar casos graves. Não vou ficar numa rotina administrativa. Isso aqui para mim é igual a inércia. A atmosfera não é favorável.

A insatisfação de Pinaud o levou a procurar ajuda da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).