Título: AIEA diz que não fará concessões ao Brasil
Autor: Deborah Berlinck
Fonte: O Globo, 19/10/2004, O país, p. 14

A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) informou ontem que não vai aceitar qualquer acordo com o governo brasileiro que escape de sua missão: verificar se o Brasil está cumprindo seu compromisso de não desviar material nuclear, como determina o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP). Na véspera da visita de três inspetores da agência à fábrica de enriquecimento de urânio das Indústrias Nucleares do Brasil (INB), em Resende, Melissa Flemming, porta-voz da agência, em Viena, deixou isso claro ao GLOBO:

¿ Não queremos e não vamos fazer concessões. Nossa obrigação é assegurar que nenhum material nuclear pode ser desviado ¿ disse ela.

Centrífugas guardariam segredo industrial

O governo insiste em não mostrar as centrífugas de enriquecimento de urânio aos inspetores, alegando que o Brasil desenvolveu uma tecnologia tão avançada nesse campo que haveria o risco de desvendar um segredo industrial. Ontem, em reunião no Rio, o Brasil concordou em mostrar alguns equipamentos como tubos, válvulas e conexões mas não abriu mão de manter o segredo das centrífugas.

Em entrevista ao GLOBO em junho, o diretor-geral da AIEA, o egípcio Mohammed El-Baradei, disse que a agência não estava interessada ¿em desvendar nenhum segredo comercial¿. Ele insistiu que era preciso ver o equipamento completo e disse que a insistência da AIEA nada tem a ver com desconfiança com o Brasil: a regra da agência é aplicada para todos os países, sem exceção, afirmou El-Baradei na ocasião.

O governo brasileiro apresentou em setembro uma proposta para que os inspetores tenham acesso a toda a tubulação das centrífugas, mas não às centrífugas. Brasília garante que isso será suficiente para comprovar que não há desvio de material.

Perguntada se a proposta brasileira é satisfatória, a porta-voz da AIEA disse que houve ¿bons progressos¿ nas negociações, mas que a resposta da agência só virá depois da inspeção de hoje:

¿ É ponto chave para a agência assegurar que nada (venda ilegal de urânio ou uso ilegal de material nuclear) pode escapar (da inspeção). Mas não sabemos ainda. É por isso que temos inspetores indo lá para olhar. Tudo por enquanto é teórico. Mas, para nós, é preciso fazer uma avaliação técnica para estarmos seguro que será eficiente ¿ disse Melissa.

Acordo dependerá de avaliação dos inspetores

A porta-voz acrescentou que, se os inspetores julgarem que é suficiente, será possível um acordo:

¿ Se a verificação atender às nossas exigências, acreditamos que possa haver uma solução. Queremos uma solução que atenda às exigências técnicas da AIEA e aos desejos brasileiros.

Melissa Flemming disse ainda que a visita dos inspetores à fábrica de Resende não é uma inspeção, mas uma visita técnica.

Anteontem, o ministro da Ciência e Tecnologia, Eduardo Campos, afirmara que o Brasil não abrirá mão dos termos que propôs:

¿ O Brasil não vai abrir mão de sua tecnologia. Não queremos criar problemas porque somos sócios fundadores da AIEA, mas sabemos que é possível fazer a inspeção assim ¿ disse Campos.