Título: 'O CONTROLE DA INFORMAÇÃO É MAIOR AGORA'
Autor: Gilberto Scofield Jr.
Fonte: O Globo, 29/05/2005, O Mundo, p. 35

Apesar da censura, jovens jornalistas chineses são mais críticos, conta a presidente da Associação de Correspondentes

PEQUIM. Quando Zhao Yan, pesquisador chinês do "New York Times" em Pequim, foi preso em 2004, acusado de "revelar segredos de Estado", a jornalista americana Mary Kay Magistad, presidente da Associação de Correspondentes Estrangeiros da China, pediu uma audiência ao chanceler Li Zhaoxing. Após uma breve conversa, saiu do escritório do ministro resignada. A partir dali, a China passaria a ter 42 jornalistas presos oficialmente - o maior número no mundo. "Ele praticamente me disse que aquilo não era um problema nosso", lembra Mary Kay, que trabalha em "The World", o programa de notícias de rádio por satélite e internet da americana Public Radio International e da inglesa BBC.

É verdade que empresas dão dinheiro a jornalistas em entrevistas coletivas na China?

MARY KAY MAGISTAD: É verdade. Para os jornalistas estrangeiros é muito difícil, mas envelopes com quantias como 300 yuans (US$36) costumam estar no kit de imprensa distribuído a jornalistas chineses. É uma clara tentativa de fazer o profissional escrever uma reportagem positiva. Como os salários são baixos, muitos consideram isso parte da remuneração. Nem todos aceitam, é claro, especialmente os jovens, que sabem que um dos papéis mais importantes da imprensa é justamente fiscalizar os atos do governo.

Mas as empresas privadas também subornam jornalistas?

MARY KAY: Sim, mas como a imensa maioria das empresas na China é pública...

E o hábito que alguns jornalistas têm de iniciar perguntas agradecendo aos entrevistados por responderem às perguntas?

MARY KAY: É uma herança de um país pouco acostumado a dar satisfação de seus atos ao público. Mas a nova geração de jornalistas está aprendendo a ser mais crítica. É curioso que o governo tenha começado a perceber que a imprensa pode ser uma poderosa aliada na fiscalização da administração pública. Estão aí as notícias cada vez mais freqüentes de funcionários públicos presos por corrupção. Mas, paradoxalmente, o controle da informação feita pelo presidente Hu Jintao é maior agora.

Maior do que em governos anteriores?

MARY KAY: Sim, existe um representante do governo nas redações e a autocensura feita pelos veículos é maior hoje. Há uma vontade da China de se mostrar ao mundo como um país moderno, grande, trabalhador, pacífico e que resolve seus problemas da melhor forma possível. Isso nem sempre é verdade. Como em qualquer país, o governo não gosta de notícias que mostram seus erros e problemas sociais ou econômicos grandes. Daí os controles ferozes sobre a imprensa, a internet e os programas de TV a cabo.

Os telejornais estrangeiros na TV a cabo são censurados?

MARY KAY: De maneira irritante. Existe um atraso de cerca de dez minutos na exibição dos telejornais estrangeiros, de modo que os censores podem retirar do ar ou editar partes da notícia, como acontece com temas como Tibete, Taiwan, direitos humanos e algumas manifestações religiosas, como Falun Gong. A TV sai do ar durante os segundos em que a informação é transmitida e depois volta. O interessante é que isso acontece justamente com os estrangeiros ou chineses endinheirados que assinam a TV a cabo, um serviço ao qual o chinês comum não tem acesso. Ou seja, censuram as pessoas que podem conseguir a informação por outros meios, o que é uma despesa ineficiente de controle.

As coletivas de imprensa são manipuladas?

MARY KAY: A maioria não, mas as grandes coletivas oficiais são, como são, aliás, as coletivas nas Nações Unidas. Representantes do governo ligam para jornalistas locais e até estrangeiros e acertam com eles uma pergunta. São escolhidos veículos de modo a abranger um leque grande de perfis como, por exemplo, da CNN ao "Diário do Povo" do Partido Comunista. A coletiva do primeiro-ministro Wen Jiabao, durante o Congresso Nacional do Povo, no início do mês, foi tipicamente assim.

Então como avaliar a mídia da China?

MARY KAY: Por serem estatais, é certo que as empresas têm uma forte atuação como porta-voz da opinião do governo e do Partido Comunista. Mas estão aos poucos se atribuindo outras tarefas, ainda que timidamente, como a de denunciar erros do próprio governo, ou, mais eficazmente, a de defesa dos interesses do cidadão ou do consumidor.

E como a mídia estrangeira dribla os rigores do governo?

MARY KAY: Bem, em tese, o jornalista é obrigado a avisar ao governo antes de fazer qualquer coisa, mas isso não tem a menor condição de acontecer. Afinal, são mais de 150 jornalistas de mais de 24 países. Sei de casos de jornalistas que são detidos em manifestações de rua ou incidentes imprevistos, como um tumulto qualquer, porque não pediram autorização. Nestes casos, a polícia detém o profissional pelo tempo suficiente para que o problema seja resolvido. O material é apreendido e o jornalista, liberado. O jornalista tem que esticar os limites das regras impostas pelo governo se quiser fazer uma apuração que vá além das coletivas oficiais.

Como assim?

MARY KAY: É possível fazer como os chineses, ou seja, fazer tudo desde que ninguém esteja olhando. É preciso permissão das autoridades para entrevistar quem quer que seja. Mas como nunca se consegue saber que autoridades contactar para obter a autorização, o jeito é simplesmente tentar a entrevista. Geralmente, é preciso uma burocrática troca de faxes antes do encontro. Muitos pedidos de entrevistas são negados em processos que duram mais de um mês.

Quantos jornalistas estão presos na China?

MARY KAY: Segundo o Committee to Protect Journalists, são 42.

O último foi o do "New York Times"?

MARY KAY: Ele continua preso e incomunicável até hoje. No dia seguinte à prisão, pedimos uma audiência ao ministro das Relações Exteriores, Li Zhaoxing. Depois de uma conversa, saímos sem esperanças. Ele praticamente nos disse que aquilo não era problema nosso.