Título: BENTO XVI CONDENA REPRODUÇÃO ASSISTIDA
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Fonte: O Globo, 31/05/2005, O Mundo, p. 28

Papa elogia bispos que lideram campanha contra referendo destinado a flexibilizar lei atual

CIDADE DO VATICANO. Em sua primeira incursão no campo político, o Papa Bento XVI manifestou ontem seu apoio aos bispos italianos que lideram uma campanha pelo boicote ao referendo sobre uma das leis mais restritivas da Europa sobre reprodução assistida.

A entrada do Pontífice no debate acirra a polêmica em torno da consulta, que pode derrubar a legislação que proíbe a doação de óvulos e esperma e que limita a três o número de embriões desenvolvidos em proveta, entre outros pontos, tornando a lei mais permissiva.

Ao se dirigir a religiosos reunidos no Vaticano para a Assembléia-Geral da Conferência Episcopal Italiana (CEI), Bento XVI não mencionou explicitamente o boicote ao referendo de 12 e 13 de junho, mas elogiou os bispos por tentarem ¿iluminar as escolhas dos católicos¿ e reiterou seus argumentos em defesa da vida e da família.

¿ Vocês estão iluminando e motivando a escolha de católicos e de todos os cidadãos em referendos sobre procriação assistida, agora iminentes ¿ disse o Papa. ¿ Estou próximo de vocês em palavra e oração. Estamos trabalhando não pelos interesses dos católicos, mas em defesa do homem, criatura de Deus.

Maior debate moral desde divórcio e aborto

Partidários do referendo dizem que a lei limita a pesquisa científica e os direitos das mulheres. Eles acusaram o Papa de se envolver em política e de adotar uma posição prejudicial à liberdade eleitoral.

¿ Estamos enfrentando uma ofensiva sem precedentes que tem como objetivo pôr a democracia italiana sob o controle do Vaticano ¿ disse Daniele Capezzone, líder do Partido Radical.

O referendo lançou o país no mais intenso debate sobre uma questão moral e social desde que o divórcio e o aborto foram legalizados na década de 70. Ele põe em questão a lei sobre reprodução assistida aprovada pelo Parlamento no ano passado.

Além da doação de óvulos e esperma, a lei proíbe também o uso de mães de aluguel e o congelamento de óvulos fertilizados para uso posterior, limita a três o número de embriões a serem criados em proveta e determina que todos eles sejam implantados no útero da mãe.

Embora esta seja a primeira intervenção do ex-cardeal Josef Ratzinger numa questão da Itália, a posição do Papa não chega a ser inesperada. O presidente da Conferência dos Bispos do país, o cardeal Camillo Ruini, que tem liderado a campanha pelo boicote, é o vigário do Papa para Roma. Ruini defende as leis atuais, embora diga que não correspondem à ética da Igreja.

Os bispos acreditam que o boicote seja o caminho mais eficaz para levar a consulta ao fracasso. A lei estabelece que para que o plebiscito seja válido é necessário que compareçam às urnas metade mais um dos cidadãos com direito a voto. Grupos católicos distribuíram folhetos na missa de domingo, que diziam: ¿A vida não pode ser posta em votação ¿ escolha não votar.¿

Bento XVI, que foi eleito em abril, afirmou que a Igreja está defendendo a vida humana e não apoiando determinados partidos políticos. Ele disse que a família é fundamental para a sociedade italiana e que mesmo num país de maioria católica, ela não está imune a tendências laicas.

¿ Mesmo na Itália a família está exposta a um clima cultural atual que leva a riscos e ameaças que todos nós conhecemos ¿ disse o Papa, citando o desafio ¿do caráter único da família baseada num homem e numa mulher¿, numa referência aos países que aprovaram o casamento entre homossexuais.

¿ Ninguém está dizendo que a Igreja não possa ter sua opinião, mas a hierarquia da Igreja Católica não pode ter permissão de liderar campanhas eleitorais que interfiram no processo eleitoral de um país que supostamente é soberano ¿ disse Capezzone, que exigiu que o presidente da Itália faça um pronunciamento defendendo a separação entre Igreja e Estado.