Título: Mantega: Juros podem barrar o crescimento
Autor: Mirelle de França e Nice de Paula*
Fonte: O Globo, 31/05/2005, Especial, p. 4

A alta dos juros pode interromper a trajetória de crescimento da economia brasileira. A opinião é do presidente do BNDES, Guido Mantega, ao estimar que o país deve fechar este ano com uma expansão da ordem de 4%. Embora não tenha deixado claro qual é o patamar ideal para os juros, Mantega ressaltou que a economia poderá ter uma reação recessiva a novos aumentos da taxa.

¿ Se as taxas (de juros) continuarem subindo, vão comprometer um crescimento mais robusto do PIB em 2005. Por enquanto, não há comprometimento e acredito que em 2005 vamos ter um crescimento da ordem de 4%. Tudo vai depender dos próximos passos e movimentos das taxas de juros que, por sua vez, determinam, em grande medida, a taxa de câmbio ¿ afirmou Mantega.

O presidente do BNDES assinalou que, no momento, a economia continua crescendo e apresenta dinamismo em vários setores. Ele ressaltou que o setor externo vai bem, assim como o nível de investimento. Mas frisou que, a partir de um determinado patamar, as taxas de juros tendem a modificar esse cenário.

¿ Se você elevar muito a taxa de juros, em algum momento ela vai desestimular o investimento. Todo um círculo virtuoso que já se criou e que tem estimulado investimentos pode se interromper. Mas acredito que não chegará (a taxa) a esse ponto. Creio que já estamos chegando no patamar mais elevado das taxas de juros do país ¿ concluiu.

O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, por sua vez, acredita que o crescimento do país este ano ficará acima de 4%, apesar de alguns indicadores econômicos apontarem para uma desaceleração, como reflexo da política juros altos. Ele lembrou que, no ano passado e nesta mesma época, muitos analistas e instituições de pesquisa revisaram para baixo suas projeções de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), passando de 4% para 3,8% a 3,9%. E o país terminou 2004 com expansão de 5,2%.

Para justificar seu otimismo, o ministro citou dados sobre arrecadação federal, como os números do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), que registrou neste ano uma expansão real (já descontada a inflação) de 20%, apesar de o governo ter reduzido a alíquota do IPI sobre bens de capitais de 5% para 2%. Outro exemplo foi o Imposto de Renda da Pessoa Física, que também cresceu significativamente, mesmo depois da correção da tabela. Para o ministro, esses números refletem aumento da formalização do mercado de trabalho, melhora do emprego e renda.

¿ O desafio não é crescer 4% este ano ou mais de 4%, como acho que vamos crescer. A questão é como tornar sustentado esse processo. E aí a questão da infra-estrutura é absolutamente vital - afirmou.

Para Carlos Langoni, diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getúlio Vargas, a decisão do setor privado de fazer os investimentos em infra-estrutura de que o país precisa depende da estabilidade de regras e perspectiva de expansão.

¿ O problema brasileiro não é mais a dívida externa e sim a dúvida interna . Quando conseguirmos minimizar essa dúvida interna, criaremos condições para que o investimento deslanche de forma consistente, permitindo que o Brasil saia dessa ante-sala e entre no clube restrito dos países que conseguem conviver com ciclo de crescimento sustentado.

Na visão do economista, o país está muito próximo de atingir esse objetivo e as Parcerias Público-Privadas (PPPs) fazem parte desse "novo processo de desenvolvimento" do país.

¿ Não há um atalho mágico para resolver o nosso estrangulamento no setor de infra-estrutura e as PPPs são muito mais do que um instrumento para alavancar novos investimentos de infra-estrutura, mas um verdadeiro processo de modernização institucional.

Langoni citou um estudo divulgado recentemente que situou a competitividade da economia brasileira em 51º numa relação que incluía 60 países.

¿ É um resultado que nos deixa até um pouco chocados. Mas quando você observa apenas os dados do setor privado vê que o Brasil ocuparia o 31º lugar. O que explica o nível baixo de competitividade são os problemas associados ao excesso de burocracia e incerteza quanto ao marco regulatório. Há ainda o setor de infra-estrutura, que eleva o custo Brasil e diminui nossa competitividade ¿ frisou.

O vice-presidente do BNDES, Demian Fiocca, disse que a falta de investimentos em infra-estrutura no país criou entraves ao crescimento que vão além daqueles mais facilmente observáveis.

¿ É muito comum se falar nos gargalos, nas filas de caminhões nos portos. Mas há também potenciais que estão latentes, que às vezes nem observamos, e que não se desenvolvem por falta de infra-estrutura.

Fioca afirmou que a regulamentação das PPPs é uma de várias iniciativas do governo para melhorar o ambiente de negócios no país. Ele observou também que os setores de logística e geração de energia foram os que mais sofreram com a redução dos investimentos públicos nas últimas duas décadas e defendeu a expansão da malha ferroviária do país.