Título: PARA REITOR, AUTONOMIA AGORA ESTÁ PRESERVADA
Autor: Martha Beck, Demétrio Weber e Adauro Antunes
Fonte: O Globo, 01/06/2005, O País, p. 8

Já movimento negro critica prazo para cotas

SALVADOR. O reitor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Naomar Almeida Filho, aprovou a proposta do governo de dar um prazo de dez anos para que as universidades públicas garantam 50% de suas vagas para alunos oriundos de escolas públicas, negros e índios. O reitor disse que a medida preserva a autonomia universitária. Segundo ele, o governo vinha sendo acusado de intromissão na autonomia das instituições ao tornar compulsória a adoção da reserva de vagas.

- A diferença agora é muito importante porque joga por terra essas críticas de ingerência. As instituições estão liberadas para avançar mais rapidamente ou mais lentamente nesse sentido até 2015 - argumentou, lembrando que a UFBA se antecipou aos critérios contidos na proposta do governo.

Já Silvio Humberto, diretor do Instituto Steve Biko, instituição pioneira na formação de jovens afro-descendentes para o acesso à universidade, até concorda com alguns pontos da proposta do Ministério da Educação, mas considerou inadmissível esperar:

- O que vamos fazer com essa geração que estamos preparando com a perspectiva, que pensamos ser real, de inclusão na universidade?

A nova versão da proposta de refora universitária desagradou ao movimento negro baiano. Líderes afro-descendentes no estado consideraram a medida um retrocesso, de um "conservadorismo extremo".

- Este recuo é muito ruim. Segue na contramão de um processo já deslanchado em grande parte das universidades públicas, que estão discutindo a adoção de políticas afirmativas. O governo deveria estar em sintonia com esse debate e não caminhar na direção contrária - disse Marcus Alessandro Santos Silva, professor de história e coordenador estadual do Movimento Negro Unificado.

Ele observou que o governo lança mão de todos os recursos regimentais e até "abusa do autoritarismo" das medidas provisórias, quando se trata de matérias de interesse próprio ou da base aliada, e não tem o menor problema em recuar diante de iniciativas que ferem os interesses dos grandes investidores.

- Entretanto, quando o ponto em questão são medidas que vão mexer com os grotões de privilegiados, da elite branca dominante, fala em prazos dilatados. Não dá para levar a sério - reclama.

Silva lembra que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso admitiu a existência de racismo no Brasil, e o governo Lula criou uma Secretaria Especial de Polícias de Promoção da Igualdade Racial, além de ter sancionado a Lei 10.639 que torna obrigatório o ensino da História da África e dos negros no Brasil no currículo das escolas públicas.

- Agora, esse mesmo governo decide dar mais dez anos para a implementação de ações afirmativas nas universidades. É um paradoxo - disse.