Título: FAZENDA SE OPÕE A PROPOSTA DA EDUCAÇÃO
Autor: Martha Beck, Demétrio Weber e Adauro Antunes
Fonte: O Globo, 01/06/2005, O País, p. 8

Novo anteprojeto da reforma universitária do MEC é bem recebido, porém, por especialistas e reitores

BRASÍLIA E SÃO PAULO O secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, jogou ontem um balde de água fria na proposta do Ministério da Educação de que a União converta dívidas de governos estaduais e municipais em investimento em educação. A conversão fora sugerida anteontem pelo ministro da Educação, Tarso Genro, ao divulgar nova versão de anteprojeto da reforma universitária. Appy disse que essa seria uma forma inadequada de estimular investimentos no setor e que o aumento de despesas públicas só deve ser discutido levando-se em conta o Orçamento.

- Que eu saiba, não houve discussão no governo sobre esse assunto. Mas acho que essa é uma forma inadequada de estimular investimento em educação. O respeito aos contratos de dívida de estados e municípios é importante para que se tenha crescimento e para que políticas sociais se tornem viáveis - disse Appy. - Existem contratos de refinanciamento de dívida de estados e municípios que devem ser respeitados assim como a União respeita esses contratos como credora. Tornar viáveis despesas públicas em troca de dívida não é um tipo de política adequada. Despesa pública se decide no Orçamento, que é o meio adequado para se tratar dessa questão - completou o secretário.

Nova versão do anteprojeto teve boa aceitação

Apesar da crítica dentro do governo, a proposta de reforma universitária teve boa aceitação em setores ligados à educação. O presidente da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, Edson Nunes, elogiou a segunda versão do anteprojeto. Ele disse que é positivo dar prazo até 2015 para que as universidades federais atinjam a meta de ter 50% de seus alunos, em todos os cursos, egressos da rede pública.

Na primeira versão, o anteprojeto exigia que já no vestibular seguinte à aprovação da proposta as instituições reservassem 50% de suas vagas para alunos vindos da escola pública, criando ainda uma subcota para negros e índios, equivalente ao percentual que esses grupos representam em cada estado. Agora o texto faz apenas uma menção genérica a segmentos étnico-raciais historicamente prejudicados.

- O prazo vai permitir que as instituições discutam a melhor maneira de atingir a meta - afirmou Nunes, para quem, no entanto, o anteprojeto ainda pode ser melhorado.

Nunes diz, por exemplo, que é inconstitucional o artigo 3º do anteprojeto, em que se lê: "A liberdade de ensino à iniciativa privada será exercida em razão e nos limites da função social da educação superior". Ele explica que a Constituição já garante o direito de a iniciativa privada oferecer ensino superior.

O presidente da Associação Brasileira das Universidades Comunitárias (Abruc), Aldo Vannucchi, também viu avanços na nova versão.

- A segunda versão é muito superior à primeira. As agressões mais flagrantes à autonomia desapareceram - afirmou Vannucchi, referindo-se a pontos que o próprio MEC admitiu serem inconstitucionais, como a exigência de que pelo menos 30% dos integrantes do conselho administrativo das empresas mantenedoras, donas das universidades privadas, tivessem título de doutor.

Mas Vannucchi também fez críticas. Ele discorda da nova exigência de criação de uma ouvidoria nas instituições de ensino. Segundo ele, em tempos de internet, esse tipo de comunicação pode ser feito por e-mails para os dirigentes acadêmicos.

- Ouvidoria é um instrumento necessário quando as instituições estão fechadas dentro delas mesmas - afirmou o presidente da Abruc.

Um ponto que agradou aos especialistas em educação é a criação de vagas no ensino superior noturno nas universidades federais. A proposta foi aprovada pelo reitor da Universidade de Campinas (Unicamp), José Tadeu Jorge; pela secretária estadual de Assistência Social de São Paulo, Maria Helena Guimarães Castro, ex-secretária-geral do MEC no governo Fernando Henrique; pelo professor Nélio Bizzo, vice-diretor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) e ex-secretário municipal de Educação de São Paulo; e pelo presidente da Associação dos Docentes da USP (Adusp), Américo Kerr.

Para reitor da Unicamp, recursos são insuficientes

O reitor da Unicamp lembrou, porém, que os 5% de recursos destinados para o programa são insuficientes.

- É muito pouco. A Unicamp destina 13% do seu orçamento, incluindo moradia, restaurante e bolsas acadêmico-científicas para estudantes pobres. Acredito que para operar o sistema de forma adequada é preciso que esse índice seja de pelo menos 10% - analisa José Tadeu Jorge.

Como o ministro da Educação já anunciou que a discussão do projeto continua, o presidente da Adusp, Américo Kerr, acredita que a proposta será trucidada no Congresso:

- De alguma forma, mesmo com os recuos do governo, o ensino privado não vai permitir que o governo tenha o controle do sistema educacional. Por isso, o projeto vai ser trucidado no Congresso. As universidades particulares querem continuar vendendo o ensino como uma mercadoria qualquer, sem regulação.

De acordo com Maria Helena, o projeto melhorou mas o governo precisa aprová-lo de vez e pôr fim à discussão:

- Já se foi um ano e meio, um projeto, e agora uma nova versão. A coisa fica muito no blablablá. Cria-se uma comissão, um grupo e faz-se propaganda. Uma propaganda enganosa que usa a reforma universitária.

Legenda da foto: APPY: "QUE eu saiba, não houve discussão no governo sobre esse assunto"