Título: EMPRESÁRIOS BOLIVIANOS PEDEM A RENÚNCIA DO PRESIDENTE
Autor: Janaina Figueiredo
Fonte: O Globo, 01/06/2005, O Mundo, p. 29

Protestos na capital se intensificam, e parlamentares não conseguem se reunir por causa da insegurança

BUENOS AIRES. A situação do presidente boliviano Carlos Mesa se complicou ainda mais ontem. Em meio a uma onda de protestos que parece não ter fim, a Confederação de Empresários Privados da Bolívia exigiu a renúncia de Mesa. Paralelamente, o Congresso não conseguiu se reunir, entre outros motivos pela insegurança provocada pelos protestos de trabalhadores rurais, desempregados, indígenas e estudantes no centro de La Paz.

Dia foi marcado por confrontos na capital

Durante o dia ocorreram choques entre manifestantes e policiais, mas não foram registrados incidentes graves. Os congressistas bolivianos devem tratar duas questões fundamentais: a convocação de uma Assembléia Constituinte e as demandas de autonomia apresentadas pelos departamentos (estados) de Santa Cruz, Tarija, Beni e Pando. Sem sessão parlamentar, a crise em que está mergulhado o país tornou-se ainda mais delicada já que os manifestantes prometem redobrar as medidas de força.

- O presidente praticamente deixou de governar e o Congresso não consegue legislar. Hoje (ontem) pode ser que tenhamos uma noite tranqüila, pois os manifestantes estão indo embora. Mas amanhã (hoje), os protestos vão continuar e serão cada vez mais violentos - afirmou ao GLOBO o professor Jorge Lazarte, da Universidade Católica da Bolívia, por telefone, de La Paz.

Segundo ele, a sessão de ontem também foi boicotada por setores que tentam provocar a renúncia de Mesa:

- Alguns partidos tentam aprofundar ainda mais a crise e pôr o presidente numa situação na qual sua renúncia seja a única solução.

As especulações sobre uma conspiração para derrubar o presidente foram desmentidas por opositores.

- Não fomos ao Congresso porque não nos sentimos seguros. O problema que temos hoje é a falta de um governo que nos dê segurança. A Bolívia passou a ser governada pelos insurgentes, os que querem determinar o que deve e o que não deve ser aprovado pelo Congresso - assegurou o líder do Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), Luis Eduardo Siles.

A oposição dos empresários bolivianos abalou ainda mais a frágil situação do presidente, que segundo pesquisa divulgada recentemente conta com o apoio de 44% da população.

- O presidente da República deve sair para evitar que a situação de conflito em que vive o país termine nos asfixiando - disse o presidente da Confederação de Empresários Privados da Bolívia, Roberto Mustafá.

Para ele, o poder deveria ser assumido pelo presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Eduardo Rodríguez, já que o presidente do Congresso, Hormando Vaca Diez, não tem credibilidade entre os bolivianos.

Nos últimos dias, voltaram a circular rumores sobre o suposto vínculo entre o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e movimentos sociais opositores.

- Tudo leva a pensar que o presidente venezuelano está financiando movimentos bolivianos. Evo (Morales, deputado e líder cocaleiro) passeia no avião de Chávez. O presidente venezuelano tem dinheiro para gastar num país pobre como Bolívia - afirmou o líder do MRN.

Prefeito: La Paz perde US$1,5 milhão por dia

Protestos afetam comércio e turismo

LA PAZ. O prefeito de La Paz, Juan Del Granado, estimou ontem que a capital da Bolívia está perdendo diariamente US$1,5 milhão com os protestos que há semanas vêm paralisando a vida da cidade por causa da crise política e social que o país atravessa. Anteontem, cerca de 15 mil pessoas bloquearam o centro da cidade numa manifestação contra a nova Lei de Hidrocarbonetos aprovada pelo Congresso.

Del Granado advertiu que os prejuízos podem aumentar porque não estão sendo consideradas as perdas com o turismo e a diminuição dos investimentos privados.

- Voltar a recuperar a confiança, a credibilidade dos investidores e turistas é muito difícil. Vai ser um processo lento - avaliou ele, após sustentar que terá de trabalhar duro para elevar os níveis de segurança da cidade para atrair os investimentos perdidos.

O prefeito de La Paz, que meses atrás iniciou seu segundo mandato de cinco anos à frente da administração da capital boliviana, disse que as marchas de protesto e os confrontos diários entre manifestantes e as forças de segurança obrigam as lojas a fecharem as portas. Del Granado, também líder do grupo político municipalista Movimento sem Medo, criticou o chanceler Juan Ignacio Siles, que assegurou numa entrevista que na Bolívia "não há crise política, econômica nem social, mas sim um impasse entre o governo e alguns setores".

- Estou em desacordo com as declarações do chanceler - disparou o prefeito, um dos líderes da esquerda boliviana. - Todos os fatos e os protestos nas ruas demonstram que existe uma profunda crise econômica, social e política.

Legenda da foto: MANIFESTANTES SE defendem de um ataque com gás nas ruas de La Paz: protestos sem fim