Título: Procuram agenda?
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 03/06/2005, Panorama Político, p. 2
O governo apresentou, através do ministro Palocci, uma proposta de agenda legislativa para alavancar o crescimento econômico. Além da novela da CPI, há outra pedra travando a pauta da Câmara, a MP 242, amplamente rejeitada por afetar o cálculo de benefícios previdenciários. Ontem o relator, deputado Henrique Fontana (PT-RS), apresentou um substitutivo altamente satisfatório, que permite ao governo Lula resgatar uma promessa sua (e de outros governos): uma fórmula que incentive a inclusão dos 18,8 milhões de trabalhadores avulsos que estão fora do sistema previdenciário.
Com ou sem CPI, congressistas da situação e da oposição têm pela frente uma daquelas matérias "de interesse do país", que todos dizem estar prontos a votar. Esta é uma boa agenda, interessa ao Estado e aos mais pobres. Mas embora o conteúdo da proposta tenha agradado até à oposição, esbarra no argumento de que a Constituição proíbe que se mexa em benefícios previdenciários através de MP - o que motivou ações de inconstitucionalidade do PFL e do PSDB junto STF e foi objeto de enérgica intervenção do deputado Sérgio Miranda na reunião de líderes.
Ao histórico: o governo baixou a MP em nome da necessidade, inegável, de controlar a explosão dos gastos com auxílio-saúde, que passaram de R$2,5 bilhões em 2001 para R$9 bilhões em 2004. O remédio proposto, entretanto, não foi maior rigor na perícia mas uma série de maldades que resultam em subtração do valor do auxílio-saúde e de outros benefícios, como a aposentadoria por invalidez e a licença-maternidade, amplamente demonstrados por estudo de Sérgio Miranda aqui publicado.
A rejeição do Congresso foi imediata e clara, embora o rugir da crise tenha tirado o foco do assunto. Enquanto ela crescia nos últimos dias, Fontana trabalhava num substitutivo que fosse aceitável, negociando com os ministros da Previdência e da Fazenda. Sua proposta é satisfatória por várias razões. Em relação aos benefícios, esquece as mudanças de cálculo propostas - que chegavam a estabelecer um período de carência de 12 meses para que um trabalhador, adoentado ou acidentado, tivesse direito ao auxílio-doença. Introduziu apenas uma mudança de cálculo, a do valor do auxílio-doença, antes calculado com base nas 80 maiores contribuições.
- Esta é a regra de cálculo das aposentadorias mas o auxílio-doença é um benefício temporário. Acho justo que seu valor reflita o padrão salarial recente, sendo calculado pela média das 12 últimas contribuições, e não com base na história salarial, o que tem levado à concessão de benefícios maiores que o salário da hora da incapacitação - diz o relator.
O grande mérito de sua proposta, entretanto, é a criação de uma contribuição de 11% para os trabalhadores avulsos que, para se filiarem à previdência, hoje têm que pagar sozinhos a alíquota de 20%. Um desestímulo à filiação: quem ganha um salário-mínimo de R$300 paga (pagaria, porque a maioria desiste) R$60 de INSS. Com a alíquota de 11%, a contribuição cai para R$33. Quem bateu o martelo sobre a fórmula foi o próprio presidente Lula.
Segundo a Pnad, do IBGE, são 18,8 milhões os trabalhadores autônomos que não pagam previdência, a grande maioria de baixa renda. Amanhã, serão velhos desamparados que vão buscar o benefício da Loas (Lei Orgânica da Assistência Social), programa constitucional que garante um salário-mínimo a velhos e deficientes com renda familiar per capita de 1/4 do salário-mínimo. Se não houver a inclusão dos sem-previdência, dentro de alguns anos o Estado não será capaz de bancar a Loas.
- Este regime especial nós queremos aprovar mas não através de MP, violando a vedação constitucional. Que o governo mande um projeto de lei - diz o líder do PFL, Rodrigo Maia.
Que busquem um acordo, governo e oposição. O substitutivo traz outras boas medidas, como a que torna os cartórios responsáveis pelas perdas do INSS quando não cumprem a obrigação de informar a morte de um segurado. Não é agenda o que está faltando na Câmara.