Título: Arapuca na mata
Autor: Rodrigo Rangel e Anselmo Carvalho Pinto
Fonte: O Globo, 03/06/2005, O País, p. 3

CORRUPÇÃO NA FLORESTA

PF e Ministério Público prendem 85 por crime ambiental, entre eles diretor do Ibama

Na maior operação de sua história, que mobilizou 450 agentes em cinco estados e no Distrito Federal, a Polícia Federal, em investigação conjunta com o Ministério Público Federal, prendeu ontem 85 servidores do Ibama e do governo de Mato Grosso, empresários, madeireiros e despachantes envolvidos com a exploração ilegal de madeira na Amazônia. Entre os presos estão o diretor de Florestas do Ibama, Antônio Carlos Hummel; o gerente-executivo do Ibama em Cuiabá (MT), Hugo José Scheuer Werle; o secretário de Meio Ambiente de Mato Grosso, Moacir Pires, e alguns dos principais exportadores de madeira do país. A PF continua procurando outros envolvidos, já que tem ordem de prisão contra 129 pessoas.

A Operação Curupira, como foi batizada, teve como alvo a exploração de madeira em terras indígenas e áreas de proteção ambiental, uma prática ilegal que, como O GLOBO revelou anteontem, vinha ocorrendo com aval do Ibama.

O megaesquema desmontado pela investigação incluía subornos, falsificação de documentos e corrupção de funcionários do Ibama que facilitavam a emissão das autorizações que permitiam aos madeireiros legalizar carregamentos de madeira extraída de áreas protegidas. O procurador da República Mário Lúcio Avelar disse que testemunhas acusam o diretor do Ibama em Brasília de se beneficiar financeiramente do esquema de fraudes.

Fraude ocorreria há mais de dez anos

Segundo a polícia, o esquema funciona há mais de dez anos. As fraudes teriam permitido a derrubada de 1,98 milhão de toras de madeira, quantidade suficiente para encher 66 mil caminhões que, em fila, tomariam todos os 2.380 quilômetros que separam Curitiba de Salvador. Em uma análise relativa aos dois últimos anos, a PF descobriu que o esquema foi responsável pelo devastação ilegal de 43 mil hectares, o que totalizou R$890 milhões em madeira extraída.

De acordo com o delegado Tardelli Boaventura, responsável pelos sete inquéritos que investigam o caso em Mato Grosso, a quebra do sigilo fiscal do gerente do Ibama mostrou um patrimônio incompatível com seu salário. Em 2003, quando assumiu a gerência, Werle declarou patrimônio zero ao Imposto de Renda. Na última declaração, seus bens já estavam avaliados em R$400 mil:

-Trata-se de algo incompatível com seu salário de R$79 mil ao ano.

Werle foi preso por volta das 7h30m num hotel no centro de Sinop. Abatido, ele foi levado algemado para o Fórum da cidade, onde aguardou a transferência para Cuiabá. A atual gerente do órgão em Sinop, Ana Riva, também está presa.

O governo diz que, por conta própria, já vinha investigando as irregularidades há 20 meses. Mas procuradores da República que trabalharam no caso dizem que o trabalho só ganhou força a partir do ano passado, quando o Ministério Público recomendou à direção do Ibama a instalação de uma força-tarefa para esmiuçar irregularidades que, até então, eram tratadas isoladamente. Após a devassa, descobriu-se um esquema interligado, com conexões entre funcionários do Ibama de diferentes escalões, empresas fantasmas e madeireiras.

Utilizando-se de empresas fantasmas, os madeireiros pagavam propina a servidores do Ibama e conseguiam facilidades para desmatar a floresta sem ser incomodados. Obtinham licenças para exploração de terras indígenas e parques protegidos, laudos de vistoria falsos e autorizações para transporte da madeira derrubada ilegalmente. A rede de corrupção passava por despachantes que intermediavam a negociação entre funcionários do órgão federal e grandes madeireiras que figuram na lista das maiores exportadoras de toras do país.

A operação teve ainda como alvo a Fundação Estadual do Meio Ambiente (Fema), órgão do governo de Mato Grosso com status de secretaria estadual. Moacir Pires é acusado de comandar um esquema de cobrança de propina em troca de licenciamentos para exploração de madeira.

Marina decreta intervenção em MT

A operação, cujo nome homenageia o personagem do folclore brasileiro conhecido como o protetor das florestas, mobilizou 450 agentes federais e 31 funcionários do Ibama. De acordo com o governo, é a maior operação da história da PF. Dos 124 mandados de prisão 45 são contra servidores do Ibama. Na casa do servidor Sebastião Crisóstomo Barbosa, cujo salário mensal é de mil reais, a PF encontrou R$140 mil em dinheiro.

O esquema consistia no pagamento de propina para aprovação de projetos irregulares e para a liberação de cargas de madeira, além da venda de Autorização para o Transporte de Produtos Florestais (ATPF) em branco.

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, decretou intervenção na superintendência do Ibama em Mato Grosso, que passará a ser comandada por um procurador do órgão que participou das investigações. Segundo Marina, todos os servidores envolvidos foram afastados de suas funções. Quem tinha cargo de confiança e não era servidor de carreira foi exonerado. O ministério vai rever todas as autorizações para exploração concedidas pelo Ibama em Mato Grosso.

O presidente do Ibama, Marcus Barros, que esteve em Cuiabá para participar da operação, anunciou a exoneração de 40 servidores, a suspensão da emissão de ATPFs por 30 dias e o descredenciamento de todos os funcionários do setor de controle que possuíam senha para acessar o Sistema de Fluxo de Produtos e Subprodutos da Floresta (Sismad), o Sistema Integrado de Controle e Monitoramento de Recursos Florestais (Sisprof) e o Sistema Integrado de Cadastro e Fiscalização (Sicaf).