Título: UM NOVO RECORDE NA DEVASTAÇÃO
Autor: John Redwood III e Vinod Thomas
Fonte: O Globo, 03/06/2005, Opinião, p. 7

A reação dentro e fora do Brasil aos últimos dados estimados de desmatamento na Amazônia foi rápida e dura. Entre 2003 e 2004, desmatou-se mais de 26.000 quilômetros quadrados, a segunda maior taxa de destruição da História. Apesar de diminuírem em vários estados, as taxas de desmatamento aumentaram significativamente em Rondônia (23%), e Mato Grosso (20%), sendo este responsável por metade do desmatamento na região.

Ironicamente, a divulgação desses números ocorreu quando se comemorava o sucesso do Programa de Áreas Protegidas da Amazônia, que busca proteger, até 2012, 50.000 quilômetros quadrados de hábitats prioritários e representativos da riqueza biológica da Amazônia. Dois anos antes do programado, já foram implantados 15.600 Km¼ de novas áreas protegidas. No evento comemorativo, o presidente Lula e a ministra Marina Silva expressaram seu apoio à proteção ambiental e condenaram o desmatamento indiscriminado.

Por que então este aumento do desmatamento na Amazônia? Em parte, ele resulta dos incentivos econômicos para a expansão da pecuária e da soja na região e do avanço da soja sobre os pastos do Cerrado, empurrando a pecuária para a Amazônia. Da mesma forma, a não priorização do meio ambiente, a falta de políticas adequadas e problemas de governança local - refletidos em direitos de propriedade inadequados, conflitos e ocupação ilegal de terras - contribuíram para o ritmo recorde de conversão da floresta.

O Código Florestal permite o desmatamento de 20% das terras na Amazônia em troca da proteção dos 80% restantes. Mas a fiscalização dessas áreas em alguns estados tem piorado. Práticas recentes de aceleração do desmatamento legal, associadas à fiscalização deficiente da parte ilegal, contribuíram claramente para a alarmante degradação ambiental. Ademais, a pavimentação de rodovias cortando a floresta, sem mecanismos eficazes de fiscalização, agrava a situação, como mostra a experiência da BR-364 (Cuiabá-Porto Velho). A meta proposta de asfaltamento da BR-163 (Cuiabá-Santarém), antes da adoção de mecanismos de controle, elevou as taxas de desmatamento em 80%.

Mudar essas tendências é de maior interesse para o Brasil. Em primeiro lugar, o crescimento a longo prazo do país poderia ser distintamente superior com o uso sustentável de suas riquezas, seja pelo uso racional da floresta, da agricultura sustentável, do ecoturismo ligado à biodiversidade, ou do mercado de carbono. Segundo, o crescimento do agronegócio pode coexistir com uma proteção maior, já que muito do desmatamento na região provou ser desperdício, resultando em vastas áreas de pastagens degradadas. Terceiro, os pobres nas áreas rurais dependem desses recursos, que chegam a representar três quartos de sua renda. Finalmente, reduzir a taxa de desmatamento é essencial para evitar maiores perdas ecológicas, climáticas e mesmo socioeconômicas.

Qual o caminho a seguir? Melhores direitos de propriedade e governança local, assim como a introdução de mecanismos de mercado podem ajudar a realizar o potencial positivo do manejo florestal sustentável nos mercados doméstico e internacional. Enquanto isso, é essencial que se concretizem ações governamentais decisivas para reduzir o desmatamento, não apenas no nível federal mas, especialmente, no estadual.

A descentralização tem grandes benefícios mas gera responsabilidades, inclusive a dos estados na área de sustentabilidade ambiental. Mato Grosso já foi exemplo por seu bom histórico ambiental e sua liderança. O estado tem tecnologia e capacidade para agir. As intervenções necessárias agora para reduzir a taxa de desmatamento são zoneamento, licenciamento e fiscalização rigorosa.

A indignação pública no Brasil e no mundo não terá sido em vão se os governos, em todos os níveis, aumentarem suas ações contra o desmatamento ilegal, derem alta prioridade à proteção ambiental e demonstrarem vontade política para implementar as ações necessárias. Se os números do desmatamento dos próximos anos puderem refletir isto, será uma boa notícia para todos.

JOHN REDWOOD III e VINOD THOMAS são diretores do Banco Mundial.