Título: POLICIAIS AGRIDEM LADRÕES PRESOS E ALGEMADOS
Autor:
Fonte: O Globo, 03/06/2005, Rio, p. 15

Após serem detidos na Lagoa por terem roubado um celular, bandidos levaram socos na cabeça e no rosto

Mesmo já presos e algemados, dois homens foram agredidos na Lagoa Rodrigo de Freitas por policiais militares do Grupamento Tático Móvel (GTM) na noite de anteontem. Pelo menos 20 pessoas que passavam pelo local viram quando um PM chutou o rosto de um dos detidos, que estava deitado no chão, de costas. Pouco depois, outro policial socou a cabeça do outro suspeito para que ele não se levantasse. De acordo com o registro feito na 14ª DP (Leblon), os dois homens haviam participado do roubo de um celular no Leblon com outros dois comparsas, também detidos.

Chute foi dado porque ladrão olhou para comparsa

A prisão dos assaltantes ocorreu por volta das 22h, na Avenida Borges de Medeiros, em frente ao Clube Piraquê. Os quatro acusados haviam roubado cerca de dez minutos antes o celular de um advogado na Avenida Bartolomeu Mitre. Com um revólver calibre 38, eles abordaram a vítima, que estava a pé, e fugiram num Fiat Uno vermelho. Dois policiais do GTM foram chamados pela vítima e acionaram colegas por rádio, que conseguiram prender os quatro.

Seis policiais do GTM participaram da prisão e, segundo os próprios PMs, os assaltantes não reagiram. Eles foram algemados na entrada do estacionamento do clube, em dupla, enquanto os policiais revistavam o veículo, onde acharam a arma e o celular roubado. A agressão ocorreu depois que um dos presos virou o rosto na direção de um comparsa. Um dos PMs correu em direção ao assaltante gritando e chutou sua cabeça.

- Ei, você de vermelho, pára de conversar, vira a cara para o outro lado - disse.

Depois, continuou gritando:

- Não quero ver vocês conversando. Pára de bancar o esperto.

Minutos depois, outro PM socou por trás a cabeça de outro bandido, que levantara o rosto do chão. A ação policial foi presenciada por motoristas, pedestres e funcionários do clube.

De acordo com o registro feito na 14ª DP, a vítima reconheceu os quatro assaltantes, identificados como Ricardo Raimundo Pinto, de 27 anos; Josiel Pereira da Silva, de 25 anos; Alex Sandro de Jesus, de 29 anos; e Manoel Felipe Ferreira dos Santos, de 21 anos. Segundo a delegacia, nenhum deles tinha passagens anteriores pela polícia. Autuados em flagrante por roubo, formação de quadrilha e porte ilegal de arma, forma levados para a Polinter. O Fiat não constava como roubado.

Em nota, o relações-públicas da PM, tenente-coronel Aristeu Leonardo, afirmou que "o fato relevante do caso foi a prisão em flagrante de quatro marginais que roubaram um transeunte, recuperando um celular e apreendendo um revólver calibre 38". Ele informou ainda que "após análise do material publicado na edição de amanhã (hoje) de O GLOBO e havendo a constatação de excesso praticado por Policial Militar, serão adotadas as medidas administrativas que o caso requer".

Pesquisador diz que abusos da polícia são freqüentes

O pesquisador Marcelo Freixo, do Centro de Justiça Global, lamentou o caso, mas disse que a cena é rotineira, principalmente em comunidades carentes:

- É uma cena mais rara num bairro nobre, mas o abuso da polícia ocorre de forma mais nociva dentro das favelas. Em qualquer local, é inadmissível que a polícia atue ilegalmente.

RELEMBRE O CASO

Em novembro do ano passado, outro caso de agressão ganhou repercussão após reportagem publicada no GLOBO. Um jovem de 22 anos, preso em flagrante por policiais do 23º BPM (Leblon) após ter assaltado um casal de chilenos na Lagoa, entrou sem ferimentos na delegacia e saiu meia hora depois com o rosto vermelho. Numa segunda apresentação à imprensa, ele apareceu com o olho direito inchado.

Na época, os policiais civis afirmaram que não houve qualquer agressão na delegacia. O 23º BPM (Leblon) também negou qualquer agressão. Segundo a PM, Rafael da Silva Alves, morador da Rocinha, estava armado com uma pistola calibre 22, e havia roubado a câmera fotográfica e compras do casal de turistas.

A divulgação da notícia da agressão ao bandido resultou numa série de cartas enviadas ao jornal, dividindo opiniões: para algumas pessoas, a discussão sobre os direitos humanos deveria ter ficado em segundo plano. Para outras, a polícia não poderia, em hipótese alguma, ter transgredido a lei e agredido o preso.