Título: FUNDO DO POÇO?
Autor: Patricia Eloy
Fonte: O Globo, 03/06/2005, Economia, p. 21
Dólar cai e, para analistas, juros, estrangeiros e exportação podem levar moeda a R$2,20
Após duas altas consecutivas - em que chegou a subir mais de 3% - o dólar ontem retomou a tendência de queda verificada desde o início do ano. A moeda encerrou os negócios cotada a R$2,415, em baixa de 1,18%. Analistas acreditam que, apesar do receio de que o Banco Central (BC) retome os leilões de compra de moeda, o dólar deve continuar a cair a curto prazo, a menos que a autoridade monetária entre com carga total no mercado. Para alguns, a cotação poderia chegar a R$2,20. No cabo-de-guerra do mercado de câmbio, o BC estaria sozinho de um lado, atuando na compra de dólares. Do outro, um time que tem mostrado vigor nos últimos meses: forte saldo comercial, entrada em peso de estrangeiros e taxas de juros reais estratosféricas, atraindo capitais especulativos. Foram estes fatores que fizeram o dólar recuar 9% em 2005, levando a cotação de volta ao período anterior à crise das eleições presidenciais de 2002.
O fluxo de dólares vendidos por estrangeiros no mercado futuro dá uma idéia do poder de fogo deste investidor - em grande parte, fundos de investimento americanos e europeus e tesourarias de bancos. Foram US$7,7 bilhões em maio, mais de três vezes o volume de dezembro (US$2,35 bilhões).
- Enquanto os juros internacionais estiverem em patamares baixos, o estrangeiro vai continuar buscando as altas rentabilidades dos países emergentes, mais especificamente do Brasil, onde ele tem um ganho real de 13% ao ano, a maior taxa do mundo. Mas o estrangeiro não é o único responsável pela queda do dólar. Um vigoroso saldo de exportações e as apostas das tesourarias dos bancos no Brasil também entram na conta - avalia Emy Shayo, economista do banco americano Bear Stearns.
Empréstimo lá fora e ganho com juro aqui
O dinheiro que entra pelo mercado de câmbio encontra destino na Bolsa - em operações de prazo mais curto, aproveitando o baixo patamar de preços dos ativos - e, principalmente, no mercado de juros, por meio da aplicação em taxas futuras ou em títulos do Tesouro Nacional que rendem juros.
- Dinheiro não tem pátria, vai atrás de onde estão os maiores ganhos com a melhor relação risco-retorno. E foi justamente esse fluxo de estrangeiros fez com que a média de negócios no mercado de câmbio saltasse dos US$700 milhões do ano passado para cerca de US$1,6 bilhão este ano - diz o diretor de câmbio de um grande banco brasileiro.
Apesar da expectativa de desaceleração da economia em 2005, as exportações bateram recorde em maio: US$9,819 bilhões. Bancos já começam a revisar para cima suas projeções para a balança comercial em 2005, de cerca de US$25 bilhões para entre US$30 bilhões e US$35 bilhões.
- O dinheiro dos exportadores é parte importante do jogo. Alguns exportadores têm preferido vender os dólares recebidos a arriscar esperar por uma nova queda do dólar - diz Alexandre Vasarhelyi, chefe da mesa de câmbio do banco ING.
Mas os bancos também entram na ciranda cambial. A chamada posição vendida das instituições - compromisso de venda de dólares - estava em US$3,311 bilhões, o segundo maior nível desde o fim de 2004.
- Bancos e empresas ainda pegam dinheiro emprestado no exterior a taxas baixas e reaplicam os recursos aqui, a juros de 19,75% ao ano - lembra Adauto Lima, economista sênior do banco West LB.
A ausência do BC nos leilões de compra de moeda reforçam as crenças dos que vislumbram um dólar ainda mais fraco.
- Balança, estrangeiros e juros são importantíssimos, mas sem o BC para calibrar esse mercado, acredito que salvo alguns dias de alta, a tendência do dólar deve ser mesmo de baixa - diz Andressa Tezine, economista do Banco Real, que deve revisar para baixo as projeções de um dólar a R$2,70 no fim do ano.
Ontem, os fundamentos prevaleceram e o dólar voltou a cair. Sem as anunciadas compras do BC, o dólar fechou em queda de 1,18%, cotado a R$2,415 para venda. A valorização do euro frente à moeda americana - de 0,92%, para US$1,2273, depois de dois dias em queda - influenciou a cotação do dólar nos demais países.
A forte entrada de investidores estrangeiros fez a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) subir pelo segundo pregão consecutivo, com ganhos de 2,66% e volume de negócios de R$2,107 bilhões, o maior desde março. A aposta no fim do aumento de juros promovido pelo BC nos últimos meses foi o combustível das compras de ações pelo segundo pregão seguido. O risco-país recuou 2,35%, para 414 pontos centesimais.
COLABOROU Paula Dias, do Globo Online