Título: À esquerda do PT
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 04/06/2005, O Globo, p. 2
Com tantas pedras surgindo no caminho da reeleição do presidente Lula ¿ que volta e meia levanta a hipótese de não disputá-la ¿ a proliferação de candidatos aumenta os riscos de um segundo turno. Esta é a justificativa de tucanos para a opção por candidaturas próprias. Para Lula, seria também nefasto o surgimento de muitas candidaturas à sua esquerda.
Ainda que não sejam competitivas, contribuirão para a maior pulverização de votos no primeiro turno. Se juntos fazem 10% de votos, tornam-se um fiel da balança. PSTU e PCO devem novamente apresentar candidatos ultra-esquerdistas. A senadora Heloísa Helena sairá pelo P-Sol, o deputado Roberto Freire pelo PPS e agora está se lançando também o professor Mangabeira Unger.
Há dois meses, depois de apresentar o programa do PHS cedido a Mangabeira, Caetano Veloso disse que o fez em defesa do pluralismo político e criticou a imprensa política por nunca lhe dar espaço. Na semana passada, Mangabeira andou por Brasília, acompanhado da escudeira Marcia Cibilis Viana, já se apresentando como candidato e com um discurso mais moderado que o de tempos atrás.
Professor da Universidade de Harvard, filho de uma brasileira e de um americano, ele costuma ouvir que o maior empecilho à sua candidatura é o fato de falar com forte acento estrangeiro. O eleitorado, diz ele, entenderá que o sotaque está apenas na fala, não na alma nem no projeto político. Acredita ele que persiste na sociedade brasileira ¿ cujo imaginário político estaria sendo cada vez mais guiado por uma nova classe média, discreta mas politicamente exigente ¿ o desejo de mudança que levou à eleição de Lula e frustrou-se com seu governo. A isso ele acrescenta a forte polarização entre dois partidos de base paulista, PSDB e PT, que se apresentam como modernizadores mas expressam apenas os interesses da plutocracia de São Paulo. O resto do país estaria um tanto farto disso. Neste vácuo, haveria espaço para uma candidatura mudancista porém viável, que combine o desejo de mudança com a cautela contra os riscos.
Mas ele, mesmo desprezada a questão do sotaque, não integra o sistema político de poder. Não acabaria sendo visto com reserva, como um outsider? Ele admite que sim mas pondera que o eleitorado brasileiro é dos mais experimentalistas do mundo. Tanto que votou em Janio e Collor, e recentemente em Lula.
¿ A pior coisa para um outsider é tentar parecer o que não é. Precisa explorar a lógica desta posição, mostrando-se livre de amarras para virar o jogo.
Mas não será isso a ruptura, e já não terá o eleitorado brasileiro se mostrado tão avesso aos riscos? Aqui o professor, já tido como radical, surpreende:
¿ Eu não proponho a ruptura mas um projeto realista, sóbrio e moderado, que até conserve algumas linhas da política atual, como o esforço fiscal. Mas com muita firmeza e intransigência política, convencendo o eleitorado de que, depois de eleito, não vai aderir aos velhos esquemas.
Para a dívida, defende a renegociação mas sem moratória. Fortalecimento da economia real e menos reverência ao mercado financeiro. Políticas sociais universalistas (e não focadas nos mais pobres, como hoje) e uma reforma política radical logo depois de eleito, quando os presidentes, fortíssimos, não se tornaram prisioneiros do jogo parlamentar.
Seu desafio, agora, é atrair aliados. Pensa numa aliança entre PDT, PPS, PV, PHS e PMN, que lhe dariam uns quatro minutos de televisão. Mas o PPS, pelo visto, vai de Roberto Freire.