Título: A SAÚDE DE NOVO NA JUSTIÇA
Autor: Ana Claudia Costa, Célia Costa, Fernanda Pontes
Fonte: O Globo, 04/06/2005, Rio, p. 14

MP do Trabalho exige fim de cooperativas e imediata contratação de concursados

Mais uma vez, a saúde pública do Rio chega aos tribunais. Procuradores do Ministério Público do Trabalho entraram na Justiça com ação civil pública e pedido de liminar contra o governo do estado devido à contratação, considerada irregular, de funcionários para o setor, através de cooperativas ou de contratos temporários. Segundo o procurador do Trabalho João Batista Berthier, quatro procuradores pedem na ação que os servidores concursados sejam convocados imediatamente para trabalhar nos hospitais estaduais, cujos pronto-atendimento e emergências estão fechando devido à falta de médicos e auxiliares de enfermagem. A maioria está deixando de trabalhar porque se recusa a aderir a cooperativas e não recebeu pagamento.

¿ Esse sistema (o das cooperativas) é irregular. Através desta ação, buscamos dar posse aos cerca de 26 mil funcionários concursados que ainda não foram chamados ¿ disse ontem o procurador Berthier.

Na ação, os procuradores pedem ainda a prorrogação da validade ¿ outubro próximo ¿ do concurso realizado em 2001 e que a Justiça impeça novas contratações temporárias, através das cooperativas. Caso a Justiça conceda um parecer favorável à ação, o estado terá um prazo de 180 dias para afastar os funcionários cooperativados e chamar imediatamente os concursados.

De acordo com um estudo feito pelo MP do Trabalho com base em denúncias, o governo do estado tem uma relação irregular com os prestadores de serviço. Utiliza cooperativas de funcionários fazendo com que esses profissionais, tanto chefes quanto subordinados, trabalhem com horário e salário fixos ¿ o que caracteriza vínculo empregatício. Ainda segundo o procurador, quando não são diretamente contratados por cooperativas, o estado faz com esses profissionais assinem um contrato temporário, sem o cumprimento das leis trabalhistas, ou cria a opção ¿ como está impondo agora ¿ de contratar pela Fundação Escola do Serviço Público (Fesp), que, por sua vez, convocou este ano 18 cooperativas.

¿ Isso não pode acontecer. Em cooperativas os funcionários são autônomos. Se eles estão em serviço público ou em instituição privada, devem ter carteira de trabalho assinada ou serem concursados ¿ disse Berthier.

O procurador acrescentou que muitos cooperativados são concursados: embora aprovados, como não foram convocados, passaram a trabalhar nesse sistema. Muitos, de acordo com Berthier, foram obrigados a se filiar a cooperativas: eram contratados para serviços temporários e, caso não se filiassem, perderiam o posto de trabalho.

O Conselho estadual de Saúde se reuniu ontem e elaborou um documento que será entregue ao presidente do conselho, que é o próprio secretário estadual de Saúde, Gilson Cantarino. No documento, os integrantes da entidade também condenam as cooperativas e pedem a imediata contratação dos concursados.

Manter servidores em cooperativas é um recurso antigo do governo do estado. Começou no governo Marcello Alencar, com a terceirização dos hospitais. Quando assumiu o governo, em 99, Anthony Garotinho retomou os hospitais e dissolveu as cooperativas, já consideradas ilegais na época pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE), transformando os cooperativados em prestadores de serviço. Dessa forma, os profissionais de saúde continuaram sem vínculo empregatício nem direitos trabalhistas como 13º salário e férias. No início deste ano o TCE avisou a Secretaria estadual de Saúde de que não poderia continuar com verbas extras para pagar pessoal. O problema, então, foi passado para Fesp, que convocou 18 cooperativas.

Enquanto o impasse se desenrola na Justiça, os hospitais da rede estadual continuaram funcionando precariamente. O presidente da Comissão de Saúde da Alerj, deputado Paulo Pinheiro (PT), percorreu os principais hospitais e elaborou um relatório que foi entregue ao Ministério Público estadual. No documento, a comissão alerta para os problemas que podem ocorrer neste fim de semana devido à falta de médicos. Ontem, segundo o parlamentar, nenhum serviço de triagem funcionou nas emergências. A Secretaria estadual de Saúde, no entanto, disse que todas as triagens funcionaram normalmente.

No Hospital Rocha Faria, em Campo Grande, só eram atendidos ontem na emergência casos de extrema gravidade. Mesmo assim, os pacientes tiveram que esperar durante horas porque o número de médicos era insuficiente. Segundo Pinheiro, dois cirurgiões, quatro anestesistas e oito clínicos trabalharam no setor, onde estavam internados 44 pacientes. Do total de médicos, seis profissionais eram terceirizados e ajudaram no atendimento, mesmo sem terem recebido pagamento. Ainda de acordo com o deputado, o único tomógrafo da unidade está quebrado.

¿ O atendimento melhorou em relação aos dias anteriores, mas não podemos contar com esses profissionais terceirizados, que trabalharam apenas para ajudar a desafogar a emergência ¿ disse Pinheiro.

O número reduzido de médicos acabou prejudicando o atendimento em outras áreas do hospital. No setor de ortopedia, todas as consultas de revisão de recém-operados da manhã precisaram ser remarcadas para a tarde. Maria das Dores Dias Prates, de 86 anos, chegou às 8h30m no Rocha Faria para retirar os pinos da perna e até o meio-dia ainda não havia conseguido atendimento.

¿ Viemos de Realengo de táxi porque ela está com a perna machucada. Como não temos dinheiro para fazer outras viagens, ainda estamos esperando ¿ disse a sobrinha de Maria das Dores, Jorgelici Dias, de 48 anos.

O Getúlio Vargas, na Penha, realizou até o meio-dia de ontem 27 atendimentos, quando o normal seriam cem.