Título: Espremendo limões
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 05/06/2005, Panorama Político, p. 2
Na semana em que tentará matar a CPI dos Correios, o governo Lula fará um gigantesco esforço contra a percepção de que deixou a corrupção crescer apresentando-se como seu grande golpeador. Uma estratégia de dois gumes, que até pode alterar as opiniões mas servirá também à politização do tema, à manutenção do ambiente udenista que tomou conta da política.
Amanhã, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, fala em cadeia de rádio e TV sobre os feitos do governo nessa área. Na quinta-feira passada, ao anunciar a Operação Curupira da Polícia Federal, que desbaratou e prendeu uma antiga quadrilha que atuava no abate e no comércio ilegal de madeira, contribuindo para o aumento vexaminoso do desmatamento, ele já dizia: ¿O combate à corrupção está em nossas mãos¿. Nesta linha, por uma coincidência que inicialmente deixou o governo constrangido, mas depois decidido a explorá-la, o presidente Lula falará na terça-feira na abertura do Fórum Global de Combate à Corrupção, evento organizado pela ONU e marcado há mais de seis meses, com a participação de representantes de mais de cem países. Lá, assinará a ratificação da adesão do Brasil à Convenção da ONU contra a corrupção. Segundo o Bird, ela suga anualmente US$1 trilhão. O outro representante do Brasil que falará no fórum é o ministro da CGU, Waldir Pires. Tanto como Bastos, apresentará o governo Lula como o que mais avançou no combate à corrupção, criando novas instituições, como a que dirige, e promovendo a articulação entre todas elas: CGU, Polícia Federal, DRCI, Ministério Público, TCU etc. Lembra ele que no Brasil, país continental, o governo central transfere R$92 bilhões (1994) aos estados e municípios, sem contar os repasses em educação e saúde. Ao longo de décadas, boa parte dos recursos se perdeu, contribuindo para a persistência da pobreza e das desigualdades. O papel da CGU é achar e tapar os ralos.
A fala de Márcio Thomaz Bastos na televisão foi bem calculada. Ele é um dos ministros de maior credibilidade do governo e chefe da Polícia Federal. Recordará as 77 operações especiais de combate à corrupção realizadas nos últimos 29 meses, que levaram a 1.424 prisões, sendo que 350 de funcionários público associados a máfias diversas. Falará também de outros órgãos e ações afirmando que o governo, longe de negligente com a corrupção, tem lhe dado combate feroz, embora esta visibilidade leve à equivocada percepção de aumento. Isso é inevitável, diz Waldir, lembrando que a Operação Mãos Limpas, na Itália, depois de nove anos combatendo a máfia, conseguiu reduzir a percepção de corrupção em apenas 1,7%. Serão anunciadas ainda novas medidas na área de transparência e controle e novas regras para a quarentena para os que deixarem cargos estratégicos no aparelho estatal.
Tem o governo a oportunidade de convencer mas também de suscitar a pergunta: por que não, então, a CPI dos Correios? O argumento é o de sempre: a motivação é eleitoreira e a CPI, um transtorno desnecessário. Mais que isso, entretanto, a ofensiva desta semana pode contribuir para que o tema corrupção continue no centro da agenda política, que deveria estar incorporando tantos outros temas, como os sugeridos pelo ministro Palocci e pelo presidente do Senado, Renan Calheiros.