Título: Exército lamenta morte de Herzog
Autor: Gerson Camarotti e Cristiane Jungblut
Fonte: O Globo, 20/10/2004, O país, p. 3

Vinte e nove anos depois, o Exército brasileiro lamentou ontem a morte do jornalista Vladimir Herzog, ocorrida numa cela do DOI-Codi de São Paulo em outubro de 1975. Por determinação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o comandante do Exército, general Francisco Albuquerque, divulgou comunicado para corrigir outra nota, distribuída domingo pelo Centro de Comunicação Social do Exército, que classificara de revanchismo a publicação de fotos do jornalista, pelo ¿Correio Braziliense¿, em situação humilhante no cárcere do DOI-Codi.

Foi a primeira vez que o Exército fez uma retratação de forma tão enfática desde a redemocratização, na década de 80. A nota afirma: ¿O Exército lamenta a morte do jornalista Vladimir Herzog¿. O texto lembra ainda que, na ocasião, o fato foi um dos motivos que levaram ao afastamento do então comandante militar do II Exército, general Ednardo D¿Ávila Mello, por determinação do presidente Ernesto Geisel. ¿Portanto, para o bem da democracia e comprometimento com as leis do nosso país, o Exército não quer ficar reavivando fatos de um passado trágico que ocorreram no Brasil¿.

O tom foi oposto ao que havia sido divulgado domingo, na qual o Exército afirmava que, ¿mesmo sem qualquer mudança de posicionamento e de convicções em relação ao que aconteceu naquele período histórico, considera ação pequena reavivar revanchismo ou estimular discussões estéreis sobre conjunturas passadas, que a nada conduzem¿.

No comunicado de ontem, o general Francisco Albuquerque atribuiu o tom da nota anterior ao setor de comunicação da Força: ¿Entendo que a forma pela qual esse assunto foi abordado pelo Centro de Comunicação Social do Exército não foi apropriada e que somente a ausência de uma discussão interna mais profunda sobre o tema pôde fazer com que uma nota não condizente com o momento histórico atual fosse publicada.¿

Nota foi mostrada antes a Lula

Antes de ser divulgada, a nota foi mostrada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que chegou a fazer modificações, na presença do ministro da Defesa, José Viegas. O presidente pediu tom mais enfático no comprometimento do Exército com a democracia. Em reunião com Viegas e o general Albuquerque, Lula enfatizou sua insatisfação com a primeira nota. A reunião aconteceu assim que o presidente chegou a Brasília. Ele cobrou ainda um pedido de desculpas da corporação pela morte de Herzog e a referência à demissão do general Ednardo.

Lula fez a reunião, de cerca de uma hora, na Base Aérea. Segundo integrantes do Planalto, foi duro ao destacar que não abria mão de uma retratação. O comandante do Exército pediu desculpas e explicou que estava viajando quando a nota foi divulgada e que não havia lido o teor do texto.

¿ Acho que o assunto está resolvido ¿ disse o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP).

Depois da divulgação da segunda nota, o deputado petista Luiz Eduardo Greenhalgh, que na véspera ameaçara convocar Viegas ao Congresso, considerou o caso encerrado.

¿ Foi um gesto de humildade do comando das Forças Armadas e de reafirmação do compromisso democrático ¿ disse.

O ministro da Defesa também considerou o caso encerrado.

¿ A nota de domingo era uma nota inadequada. Tanto assim que foi corrigida hoje. E a correção foi feita pelo próprio Exército, pelo comandante do Exército, e põe um ponto final neste episódio. Está tudo resolvido.

Mas a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados poderá reabrir as investigações sobre a morte de Herzog. Hoje o assunto vai a votação. Ontem, o presidente da comissão, Mário Heringer (PDT-MG), anunciou que pedirá uma perícia nas fotografias publicadas pelo ¿Correio Braziliense¿. Poderá ser instalada uma subcomissão para apurar as circunstâncias do assassinato de Herzog.