Título: `O CRIME CONTROLA O IBAMA NA AMAZÔNIA¿
Autor: Anselmo Carvalho Pinto
Fonte: O Globo, 05/06/2005, O País, p. 9

Procurador que investiga máfia de madeireiros e servidores diz que a fiscalização é totalmente desorganizada

Em setembro do ano passado, o procurador da República em Mato Grosso Mário Lúcio Avelar foi procurado pelo servidor do Ibama Elielson Ayres da Costa, designado para desvendar um esquema de fraude que, suspeitava-se, estaria ocorrendo no órgão no estado. Ayres da Costa havia descoberto uma organização criminosa que agia dentro do órgão em Sinop, na região norte de Mato Grosso. Viu que o crime poderia ter tentáculos em outras cidades e achou que era o caso de pedir ajuda a alguém com experiência em combate a organizações criminosas. Decidiu que Avelar era a pessoa certa.

Notório por desmantelar a quadrilha que saqueava recursos da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), Avelar aceitou o desafio. Nove meses depois, o trabalho de investigação resultou na Operação Curupira, que até sexta-feira à noite havia prendido 93 pessoas em cinco estados (Mato Grosso, Pará, Rondônia, Santa Catarina e Paraná) e no Distrito Federal. A operação, que inicialmente pretendia atingir servidores do Ibama, chegou até mesmo a integrantes do primeiro escalão do governo de Mato Grosso, complicando ainda mais a situação do governador Blairo Maggi (PPS), maior produtor de soja do mundo e acusado por ONGs de incentivar o plantio em regiões ocupadas por florestas na região amazônica. No início da noite de sexta-feira, enquanto analisava os documentos da Curupira, Avelar conversou com O GLOBO.

O senhor tem dito que o crime organizado tomou conta do Ibama em Mato Grosso.

MÁRIO LÚCIO AVELAR: O crime organizado tem o controle do Ibama na Amazônia Legal. Você vai dizer que eu estou generalizando. Não é essa a questão. É assim que a coisa funciona. O crime organizado domina o que é importante. É o sistema de controle, de monitoramento, de informação, e o sistema de fiscalização.

Quem compõe este crime organizado?

AVELAR: O madeireiro ilegal, as empresas de consultoria de fachada e a indústria madeireira, da qual participam inclusive empresas certificadas. Além disso, há desorganização total do governo federal de um lado e, de outro, a inércia proposital dos governos estaduais, como é o caso do governo de Mato Grosso.

E como os criminosos arregimentam os servidores?

AVELAR: A primeira forma é que o setor madeireiro tem um peso político muito grande nesses estados. E normalmente o Ibama é um órgão de loteamento político. Os cargos são ocupados mediante nomeações de apadrinhados. Essas pessoas representam os interesses do crime organizado no aparelho do Estado. A segunda forma é o suborno, a cooptação, a propina.

Então o loteamento político só causa ineficiência no órgão?

AVELAR: Dia destes, um presidente do Ibama, que não vou identificar, me chamou na sala dele e disse o seguinte: ¿Mário Lúcio, eu estou deixando o Ibama. Até outro dia eu não nomeava os superintendentes. Chegou a um ponto que eu não nomeio nem chefe de posto. Se eu não posso nomear nem chefe de posto, vou sair daqui¿.

Como a investigação chegou até o diretor de Florestas do Ibama, Antônio Carlos Hummel?

AVELAR: O Ibama tem a Diretoria de Florestas (Diref) e Diretoria de Proteção e Fiscalização (Dipro). A Diref é responsável por planos de manejo, planos de exploração florestal e emissão de ATPFs (Autorizações de Transporte de Produtos Florestais). O Ministério Público tem ciência, desde o ano passado, que há um descontrole total na área de emissão de ATPFs. Criaram-se milhares de empresas fantasmas para obter ATPFs e fornecê-las às madeireiras que operam na ilegalidade. Desde 2003, identificamos centenas de planos de manejo aprovados e operando dentro do sistema de informação do Ibama. Tudo isso é administrado pelo Diref. Então, a fiscalização da Dipro saía a campo e encontrava as coisas mais absurdas, mas percebia que todo mundo estava documentado. Então, quem é que documenta? É a Diretoria de Florestas, dirigida pelo Hummel.

Então a Diretoria de Florestas sabia das fraudes?

AVELAR: Ela tinha ciência de tudo há mais de dez anos. Basta consultar a auditoria nacional do Ibama. Desde 98, existem notícias de vendas de ATPFs. Você tem uma indústria de fraude. A Diref está assentada num usina de fraude.

Na década de 90, a média anual de desmatamento na Amazônia era de 16 mil quilômetros quadrados por ano. Agora é de 26 mil. O que ocorreu neste período?

AVELAR: Na década de 70, a Sudam era o agente que financiava a ocupação da Amazônia. Com o fim da Sudam, começamos a perceber que o modelo de ocupação na região ganhou agentes próprios, que não precisam mais do Estado. Esse sistema funciona sozinho. A Terra do Meio virou uma Colômbia. Área de passagem do narcotráfico, associado com o processo de grilagem de terra pesado. Esse negócio é pesado. Você constitui um braço armado para dar sustentação a um processo de apropriação de terras públicas, mediante violência.

Já são 93 os presos na Operação Curupira, que desbaratou uma quadrilha de empresários, funcionários públicos, madeireiros e despachantes envolvidos na exploração ilegal de madeira na Amazônia. Entre os presos estão o diretor de Florestas do Ibama, Antônio Carlos Hummel, o gerente-executivo do Ibama em Cuiabá, Hugo José Scheuer Werle, o ex-secretário de Meio Ambiente de Mato Grosso, Moacir Pires, e alguns dos principais exportadores de madeira do país. A operação teve como alvo a exploração de madeira em terras indígenas e áreas de proteção ambiental. O esquema, responsável pelo desmatamento ilegal de 43 mil hectares, envolvia subornos, falsificação de documentos e corrupção de funcionários do Ibama que facilitavam a emissão das autorizações para legalizar carregamentos de madeiras retiradas de áreas protegidas. A madeira derrubada foi avaliada em R$890 milhões.