Título: A natureza desconhecida
Autor: Tulio Brandão
Fonte: O Globo, 05/06/2005, Rio, p. 18

O QUE RESTA PARA PRESERVAR

Rio não é apenas Mata Atlântica: tem também campos de altitude e caatinga

ORio de Janeiro é conhecido pela exuberância das florestas de Mata Atlântica, mesmo depois de séculos de degradação. O que pouca gente sabe é que a diversidade do estado vai além das grandes matas úmidas espalhadas pela Serra do Mar. A caatinga e os campos de altitude também têm vez.

Hoje, Dia Mundial do Meio Ambiente, O GLOBO mostra o Rio dos ecossistemas atípicos em terras fluminenses. Apresenta as bromélias e quaresmas que costumam se revelar em altitudes superiores a 1.500 metros. E entra na caatinga fluminense, terra seca da Região dos Lagos, onde a atração são as árvores de galhos retorcidos, os espinhos e os cactos gigantes.

São ecossistemas com muito em comum, a começar pelo fato de estarem isolados como ilhas, cercados pela vegetação úmida que domina o estado. Por isso, ambos têm um índice muito alto de espécies endêmicas, ou seja, plantas cujo único registro no mundo foi feito na região. Por serem exceção no estado, são vegetações também menos estudadas e divulgadas que as florestas da Mata Atlântica e, portanto, mais vulneráveis à degradação.

Os campos de altitude são limitados pela própria natureza do estado. A vegetação ocupa apenas os topos de morro e começa onde termina a grande mancha de florestas úmidas. É restrito, tem uma flora frágil e ainda depende da preservação das matas de seu entorno para a sobrevivência. São tantas condições adversas que o botânico Gustavo Martinelli, especialista do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, diz que, apesar de a altitude restringir a ocupação urbana ¿ e portanto a degradação ¿ os campos fluminenses estão ameaçados:

¿ O campo está onde a floresta simplesmente não consegue chegar. É um tipo de vegetação campestre das partes altas, que tem características especiais porque sobrevive na ausência de solo, no afloramento de rochas e depende da existência de uma mata abaixo, que serve de proteção, para não ser tomado por espécies invasoras. Hoje, além da fragilidade natural, os campos estão ameaçados pelos incêndios, pelas coletas extrativistas para colecionadores e comerciantes e ainda pelas pastagens. O Morro do Cuca (em Petrópolis) já está cheio de cabras e cavalos ¿ diz o botânico.

Martinelli cita pelo menos duas plantas de campos de altitude que estão na lista de espécies ameaçadas de extinção do Ibama. O rabo-de-galo (Worsleya Rayneri) e a bromélia (Ferneea Itaiaiae). A gana dos colecionadores não poupa nem as plantas que correm o risco de desaparecer. O pesquisador recebeu um e-mail de um colecionador de plantas holandês pedindo um bulbo ou uma semente de rabo-de-galo. No texto, o colecionador insiste: ¿seja generoso, por favor!¿. Martinelli nem respondeu à mensagem.

¿ Eles pensam na coleção pessoal e perdem a sensibilidade. Acabam pedindo espécies ameaçadas, talvez por achar que, em casa, podem evitar o desaparecimento das plantas. É um absurdo ¿ condenou o pesquisador, que já recebeu outros pedidos semelhantes.

No Estado do Rio, os campos são encontrados em altitudes altas como a do Morro do Cuca, do Pico do Frade (Macaé), do Campo das Antas (Petrópolis e Teresópolis), do Pico do Desengano (Santa Maria Madalena), do Pico do Caledônia (Friburgo) e nas serras da Bocaina e de Itatiaia. Apesar de se convencionar um marco inicial de 1.500 metros para a existência desse ecossistema, não há altitude mínima. Enquanto o Pico do Frade revela a vegetação a cerca de 1.750 metros, em Itatiaia há trechos em que os campos de altitude só começam depois de 2.200 metros.

E, assim como a caatinga fluminense, a vegetação é conhecida pela diversidade e pelo endemismo (espécies encontradas apenas no ecossistema e, em alguns casos, na região específica). Segundo o ¿Atlas das unidades de conservação do Estado do Rio¿, publicado pela Secretaria estadual de Meio Ambiente, no Campo das Antas 66 espécies coletadas são endêmicas. Na Bocaina, o índice chega a 30; no Parque do Desengano, a 62; e em Itatiaia, a 88 espécies.

Repórteres do GLOBO estiveram em Friburgo para conhecer os campos do Pico do Caledônia, localizado a 2.219 metros acima do nível do mar. O acesso ao pico tem que ser autorizado porque no local há uma torre de radiotransmissão de dados da Petrobras. A partir do portão onde fica a guarita de segurança da empresa, o acesso é feito por uma escada com cerca de 600 degraus, no meio da vegetação. Há diferentes bromélias, quaresmas e espécies variadas de bambu. O engenheiro florestal Roberto Frossard, diretor da ONG Bioaqua, que atua na região, diz que a preservação daquele ecossistema é importante até para os recursos hídricos:

¿ Muitas nascentes surgem em campos de altitude. A dinâmica de produção de águas depende da preservação da vegetação dos locais. Um solo arrasado não retém água.

Na subida para o Pico do Caledônia, antes do portão que dá acesso ao pico, as causas da degradação são aparentes.

¿ Vemos pastagens e plantações de eucalipto, que fazem desaparecer a vegetação nativa. Já houve também impacto gerado pela lavoura de tomate ¿ diz Roberto, que cresceu na região de Friburgo.

Mas, lá em cima, o ecossistema parece protegido, já que há guardas 24 horas por dia devido às antenas. O vigia Rubens Rodrigues Ferreira, de 36 anos, fica no abrigo do pico durante sete dias e já viu até onça-pintada e onça-parda na região:

¿ Tive que fazer uma plaquinha de aviso para os visitantes autorizados. Tem duas onças na área, além de coelhos-do-mato, escorpiões e aranhas. Antes de calçar a bota, quase sempre pego um desses animais peçonhentos dentro ¿ conta o vigia.