Título: CHUVEIRINHO VIRA ARMA PARA ESPANTAR MENDIGO
Autor: Selma Schmidt
Fonte: O Globo, 05/06/2005, Rio, p. 31

Equipamentos criativos servem de alternativas a grades e refletores para afastar moradores de rua de calçadas

s moradores de rua continuem sentando e dormindo sobre o degrau

Sem que o poder público encontre uma solução para evitar que moradores de rua ocupem calçadas e outras áreas externas cobertas, a arquitetura anti-mendigo descamba para o lado da criatividade. Refletores e grades cercando prédios e vãos de viadutos deixaram de ser as únicas alternativas. Na Zona Sul do Rio, começaram a aparecer chuveirinhos improvisados colocados sob marquises. A prefeitura de Niterói optou por fincar pedras pontiagudas na base dos pilares dos viadutos de acesso à Ponte Rio-Niterói, tecnologia apelidada de cama de faquir por motoristas que passam por ali. Já a saída encontrada por agências bancárias foi instalar proteções de ferro para seus degraus.

Cansado do incômodo causado a moradores e comerciantes, o condomínio do prédio número 8 do Largo do Machado implantou há cerca de um mês um chuveirinho sob as marquises das duas lojas vizinhas à portaria. Na verdade, um tubo de PVC com pequenos furos, interligado a uma mangueira de água, que é acoplada a uma torneira. O equipamento é acionado no início da noite, para molhar a calçada. Caso alguém se acomode por ali, um novo jato de água é lançado.

¿ Tinha mendigo fazendo algazarra em frente ao prédio. Alguns traziam cachorros ¿ diz o porteiro Givanildo de Sousa.

Zeladores disputam autoria de chuveirinho

Funcionário da Casa Realce, André Miguel Soares conta que várias vezes não conseguiu abrir a loja na hora, porque precisou acordar mendigos e convencê-los a sair da porta:

¿ Foram feitos pedidos à prefeitura, mas disseram que não poderiam levar ninguém à força. A opção foi usar água, que não machuca.

Só num quarteirão de Copacabana ¿ entre a Avenida Nossa Senhora de Copacabana e as ruas Aires Saldanha, Djalma Urich e Miguel Lemos ¿ três prédios colocaram chuveirinhos. Um fica na Aires Saldanha 114, nos fundos da boate Help. O condomínio do edifício número 92 na mesma rua também optou pelo equipamento, mas retirou-o recentemente, após a abertura de um restaurante, com segurança 24 horas, no térreo.

¿ Antes de colocar o chuveirinho, os moradores não podiam entrar e sair do prédio. Tinha gente deitada, dizendo palavrão e usando droga. A calçada amanhecia suja ¿ explica o zelador Paulo Cesar Freitas.

Paulo Cesar se diz criador do chuveirinho, autoria que disputa com Severino Bento dos Santos, zelador do prédio 1.039 da Nossa Senhora de Copacabana. Antes do equipamento, moradores de rua ocupavam o canteiro sem vegetação em frente ao edifício de Severino.

¿ Inventei esse pinga-pinga e o condomínio resolveu colocar. Juntava tanta gente embaixo da nossa marquise que, às vezes, tinha até briga por um lugar ¿ revela Severino.

Para o sociólogo Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano (Ippur) da UFRJ, a questão de fundo é que a população de rua voltou a crescer nas grandes cidades brasileiras, como aconteceu nos anos 80:

¿ Essas pessoas vão para áreas onde existe possibilidade de renda. A maioria tem casa. O custo do transporte é que as impede de ir para casa.

A Secretaria municipal de Assistência Social diz não ter como estimar quantas pessoas vivem hoje nas ruas. Informa apenas que os bairros mais procurados são Copacabana e Gávea, por crianças e adolescentes, e Catete e Botafogo, por adultos.

Presidente da Sociedade Amigos de Copacabana, Horácio Magalhães pondera que as pessoas têm que usar criatividade para se defender:

¿ Nunca se sabe quem é mendigo e quem é bandido.

Em Niterói, pedras afastam mendigos de viadutos

Em Copacabana, em frente à Praça Serzedelo Corrêa, o Unibanco colocou um gradil em curva sobre o degrau externo. No Leblon, o Bradesco usou uma proteção, que é uma seqüência de triângulos de ferro.

¿ Pivetes, que dormiam e sentavam no degrau do banco, atormentavam nossos clientes. ¿ justifica Teresa Costa, gerente administrativa da agência.

Quando fez o plantio de espécies de Mata Atlântica sob os viadutos de acesso e saída da Ponte, a prefeitura de Niterói começou a fincar pedras pontiagudas na base dos pilares. Inicialmente, o trabalho foi feito na alça de descida na Alameda São Boaventura. Agora, todas as bases estão cobertas por pedras.

¿ Aqui era um dormitório de mendigos. Com essas pedras, eles desapareceram ¿ afirma um policial que trabalha num posto próximo.

Para a professora Sônia Ferraz, do Departamento de Arquitetura da UFF, a colocação de engenhocas para impedir que moradores de rua ocupem calçadas tem como principal objetivo evitar qualquer tipo de contato com essas pessoas:

¿ É mais uma questão de sociabilidade do que de proteção contra a violência. Querem ver as pessoas fragilizadas longe.

Sônia tem a fórmula para acabar com os moradores de rua:

¿ Dar a eles saúde, educação, trabalho e moradia.