Título: Justiça ou achaque?
Autor: Martha Beck
Fonte: O Globo, 05/06/2005, Economia, p. 33

ATAQUE AOS COFRES PÚBLICOS

Receita briga nos tribunais para evitar pagamento de bilhões em ações de empresas

AReceita Federal enfrenta na Justiça uma série de batalhas contra empresários ¿ 33.500 questionamentos em apenas quatro casos ¿ que podem resultar num prejuízo de, no mínimo, R$61 bilhões aos cofres públicos, segundo estimativas do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT). Esse valor considera apenas as perdas retroativas. No entanto, se a ele for somada à perda futura de R$18 bilhões com exportações por ano, o rombo sobe para R$79 bilhões. Segundo o presidente do IBPT, Gilberto Amaral, a estimativa de prejuízo considera que nem todos os contribuintes entrariam com ações contra o governo caso a União seja derrotada nos tribunais.

¿ Isso é o que normalmente acontece ¿ explica ele.

Sorte do Fisco. Isso porque, potencialmente, as perdas poderiam chegar a R$265 bilhões caso todos os contribuintes que têm chance de ser beneficiados pelas decisões buscassem a Justiça para ter direito a esses créditos. O secretário-adjunto da Receita Federal, Ricardo Pinheiro, evita fazer estimativas sobre as perdas porque ¿não se deve contar vitória ou entregar os pontos antes do tempo¿.

¿ Se o governo perder todas as brigas, é melhor entregar a chave do país ¿ sentencia.

As ações tramitam em todas as instâncias da Justiça, mas várias já chegaram ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Os tributos que mais são questionados pelos contribuintes são o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e PIS/Cofins.

Uma das disputas tem origem em 69

A disputa mais antiga é de empresas que pedem para ter direito a um crédito de IPI sobre exportações que foi extinto nos anos 80. Em 1969, o governo permitiu que os exportadores se creditassem do imposto pago sobre produtos manufaturados vendidos para outros países. A idéia era estimular o comércio exterior.

¿ Mas o Brasil começou a ser pressionado por outros países a suspender o benefício, que estava sendo considerado irregular segundo acordos internacionais ¿ explicou o procurador-geral da Fazenda Nacional, Manoel Felipe Brandão, responsável pela defesa da União nos processos.

Em 1973, um decreto presidencial definiu que o benefício deveria ser extinto em 1983, mas vários empresários continuaram lutando na Justiça para garantir o crédito. A briga está no STJ e o governo ganha o julgamento por 3 votos a zero. Isso, no entanto, não é necessariamente uma vantagem, pois outras brigas que também começaram assim acabaram em derrota para o setor público.

Segundo a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), como o Brasil exporta hoje cerca de US$100 bilhões por ano e 50% desse valor são de produtos manufaturados, pelo menos US$50 bilhões estariam sujeitos ao crédito de IPI, que é de 15% no máximo. A perda futura seria de US$7,5 bilhões, ou R$18 bilhões. Ao todo, tramitam hoje quatro mil ações sobre o tema, sendo que a perda estimada para a União em pagamentos retroativos pode chegar a R$27 bilhões.

O aumento da base de cálculo da Cofins de 2% para 3%, feito em 1999, também é alvo de contestações de empresários. Ao todo, são sete mil ações que somam uma perda estimada de R$20 bilhões.

Outro grupo de ações está no STF e tem origem em empresas que querem ter o direito de se creditar de IPI pela compra de insumos com alíquota zero. Esse julgamento dá hoje ao governo uma vantagem de 6 votos a 2 (num total de 11 ministros), mas como algum membro do Supremo pode alterar seu voto, o governo não considera a disputa ganha. Existem hoje oito mil ações sobre o tema.

¿ Essa é a situação mais estapafúrdia ¿ disse Manoel Felipe.

Mudança no rumo das votações

Para evitar o pagamento em cascata do IPI, o governo permite que empresas que fabricam produtos manufaturados se creditem do pagamento do imposto cobrado na etapa anterior de produção. O problema é que muitas empresas têm produtos básicos como insumos, sobre os quais não incidiu o IPI.

¿ Se alguém fabrica um perfume a partir de uma planta que foi comprada sem IPI, como é que ele vai se creditar do imposto que não foi pago? Isso é um enriquecimento sem causa ¿ disse o procurador.

Segundo Manoel Felipe, um dos casos que mais preocupam a PGFN hoje também está no STF e envolve a base de cálculo de PIS/Cofins. Após uma reviravolta na votação há duas semanas, o governo passou de uma vantagem de 3 a zero para uma desvantagem de 5 a 3. Portanto, se mais um ministro votar contra a União e ninguém mudar seu entendimento, a PGFN perde o processo, que servirá de base para as demais ações com o mesmo tema que tramitam hoje em várias instâncias da Justiça.

Os empresários questionam a constitucionalidade da lei 9.718, de 1998, que fez com que a base de cálculo de PIS/Cofins passasse a ser feita de acordo com a receita bruta total das empresas e não apenas com o faturamento.

¿ Acho que as ações relativas ao crédito de IPI darão vantagem ao governo. Mas a mudança no julgamento da base de cálculo de PIS/Cofins deixou os empresários mais animados ¿ disse Gilberto Amaral.