Título: VINHO ARGENTINO DE MÁ QUALIDADE INVADE MERCADO
Autor: Fabiana Ribeiro e Deborah Berlinck
Fonte: O Globo, 05/06/2005, Economia, p. 35

Vendas para o Brasil atingiram recorde, em 2004, de 11,2 milhões de litros. Algumas marcas chegam por US$1

RIO, BUENOS AIRES e PARIS. Os vinhos argentinos se multiplicaram nas prateleiras dos supermercados do país. E ainda em delicatessens, restaurantes e até bonbonnières. A razão é econômica: os vinhos de lá chegam com preços baixíssimos ¿ abaixo até do que se paga por similares nacionais. Um ritmo agressivo que faz com que o Brasil importe uma garrafa por menos de um dólar. Resultado: as vendas argentinas para o Brasil atingiram, em 2004, o recorde de 11,2 milhões de litros ¿ contra 600 mil em 1996.

Vinhos argentinos no Pão de Açúcar, por exemplo, custam a partir de R$7,19 ¿ preço do Marques de La Colina. E podem ter aumento de 10% nas vendas deste ano. Nas Sendas, esse salto deve ser ainda maior: apenas de março a meados de abril, os argentinos cresceram 38%; já os nacionais, 25%. Portugueses, 12%; e espanhóis regrediram 23%. Não há mágica nesse crescimento, disse Sandro Benelli, diretor regional das Sendas:

¿ Um conjunto de fatores responde por esse fenômeno: preço baixo, câmbio favorável, grande oferta e percepção do consumidor de que esse vinho é bom. Só que vinhos muito baratos têm qualidade ruim.

Europeus se ressentem de vinhedos do `novo mundo¿

Na chocolateria Bombom Mousse, da Lagoa, o empresário Marcel Riand faz degustação de vinhos. Argentinos. E não mais dos chilenos, como no último inverno. Questão de preço. O Dos Estribos foi comprado a R$6,20 e é vendido a R$14,90. E o Santa Ana é comprado a R$6,90 e vendido por R$11,90:

¿ Desse vinho, apenas três ou quatro garrafas foram vendidas. É que a qualidade é péssima: não compro mais dele.

Segundo Carlos Raimundo Paviani, presidente do Instituto Brasileiro de Vinho, a Argentina teve redução de consumo de vinhos em 2004 de 11% e, no primeiro trimestre, o tombo foi de 14%. Então, diz, o negócio deles é exportar:

¿ Como os argentinos perderam mercado, vendem mais e com preços mais competitivos. Então, entram aqui vinhos muito baratos, sem qualidade. Apenas para uma comparação, vinhos finos brasileiros saem da vinícola com preços de R$6 a R$15. Já os vinhos finos argentinos saem, em média, por R$4.

Um prejuízo que já se vê na tradicional Casa Valduga ¿ que está com 600 mil litros de vinho em estoque. E, se os argentinos continuarem entrando com preços baixos, terá de demitir 25 pesssoas.

¿ Em dois meses, as vendas caíram 30%. Essa é a maior crise do setor em 15 anos ¿ disse o empresário João Valduga.

Os importadores também se mexem, diz Eduardo Arroxellas de Carvalho, diretor da Impexco e membro da Associação Brasileira de Importadores de Bebidas e Alimentos (Abba), que propõe ao governo barreiras para entrada de caixas de vinhos abaixo de US$12:

¿ Se a imagem do vinho manchar, o prejuízo é de todos.

A Impexco espera, este ano, negociar 130 mil caixas de vinho, sendo que, em 2004, foram 44 mil. E de janeiro a abril as vendas dos argentinos estão quase 300% maiores do que no mesmo período de 2004.

A polêmica dos vinhos não é exclusividade do Brasil. Há pouco mais de uma semana, produtores na França saíram às ruas, furiosos com a falta de apoio do governo diante da nova concorrência, e destruíram vinhos chilenos. É que os europeus, que durante anos reinaram nessa área, começam a sentir a expansão no mercado dos vinhos do ¿novo mundo¿: argentinos, chilenos, australianos, sul-africanos e brasileiros.

A Organização Internacional do Vinho (OIV) constata a revolução. Enquanto os vinhedos nos 25 países da União Européia não param de encolher ¿ 3,8 milhões de hectares em 2000 para 3,7 milhões de hectares em 2004 ¿ a superfície cultivada dos novos produtores aumenta. A Argentina passou de 201 mil hectares, em 2000, para 210 mil hectares em 2004.

Os vinhedos no Brasil também estão em expansão. Em 2004 o país fabricou 3,3 milhões de hectolitros ¿ um aumento em relação aos 2,6 milhões de hectolitros de 2003.

¿ Há uma evolução lenta, mas constante no Brasil, da qualidade dos vinhos, mas também do consumo inteligente ¿ disse o diretor-geral da OIV, Frederico Castelluci.

COLABOROU Janaína Figueiredo