Título: ROMPENDO BARREIRAS DO PODER
Autor: Graça Magalhães
Fonte: O Globo, 05/06/2005, O Mundo, p. 41

Conservadora e socialista podem se tornar primeiras mulheres a governar Alemanha e Chile

Angela Merkel cresceu na Alemanha Oriental, mas soube rapidamente se adaptar ao mundo ocidental após a Queda do Muro de Berlim. Michelle Bachelet Jeria foi seqüestrada e torturada pela ditadura chilena, que também matou seu pai, o general da Força Aérea Alberto Bachelet, mas ressurgiu como ministra do governo Ricardo Lagos. Uma é física e a outra é médica, e embora também em campos políticos opostos, a conservadora alemã e a socialista chilena têm em comum a determinação com que desafiam a política machista de seus países. As duas são candidatas, este ano, aos governos de Alemanha e Chile. Hábeis e inteligentes, nenhuma das duas tem a imagem do político tradicional. E sabem como tirar proveito disso.

Arua onde mora ¿é pavimentada com defuntos¿, dizem os críticos da mulher mais poderosa atualmente na Alemanha, Angela Merkel, uma física da antiga Alemanha Oriental, de 51 anos, que desafiou o mundo machista da política alemã e se candidata ao governo federal nas eleições de setembro.

Os defuntos são os rivais que afastou do caminho antes de ser eleita. Isso lhe rendeu o apelido de ¿dama de aço¿. Do ex-chanceler Helmut Kohl ao ex-presidente da União Democrata-Cristã (CDU) Wolfgang Schäuble, todos aprenderam a não subestimar Merkel.

Segundo o jornalista Karl Feldmeyer, que acompanhou de perto o início de sua carreira, ¿Merkel é melhor que Helmut Kohl¿. É igualmente competente e, além disso, toma decisões de forma puramente analítica.

¿ O seu maior interesse foi sempre chegar ao poder e tem como principal instrumento para atingir sua meta o talento analítico e a alta disciplina. Ela tem um talento extraordinário para compreender imediatamente processos complicados e tomar uma resolução, sem emoção, de uma forma quase científica ¿ observa ele.

Seu maior trunfo após ser eleita presidente da CDU em 2000 foi, no ano passado, transformar seu candidato preferido, Horst Koehler, em presidente da Alemanha, o ¿presidente de Merkel¿, como comentou a imprensa.

Usando o estilo sóbrio como vantagem

Merkel nunca foi feminista porque cresceu numa ditadura que tinha como uma das poucas vantagens a não discriminação dos sexos. Por isso, diz não entender por que sua carreira causa tanta admiração. Afinal, apenas usou as chances que teve e sua experiência de viver 35 anos na Alemanha Oriental. Mas desde que foi indicada candidata dos conservadores, na segunda-feira, em todo o país a pergunta mais feita tem sido: ¿Qual o seu segredo?¿ Quem compara a Angela de 1989 (ano da Queda do Muro de Berlim) com a de 2005 diria que houve uma metamorfose.

¿ Ela aprendeu rapidamente as regras do mundo ocidental ¿- disse o jornalista Robert Birnbaum, que conhece Angela Merkel desde 1990, quando foi vice-porta-voz do primeiro governo democrático da Alemanha Oriental.

Se a pergunta é feita em Templin, cidade idílica da região de Brandenburgo, onde Merkel cresceu como filha de um pastor protestante e de uma dona de casa politizada, a resposta é: ¿Angela conseguiu porque é altamente inteligente.¿

Hans Ulrich Beeskow aponta na direção da escola freqüentada de 1960 a 1973 por Angela Kasner (o sobrenome Merkel é do primeiro marido, que manteve mesmo após o divórcio):

¿ Já dava para ver que Angela era uma pessoa altamente inteligente, eu diria genial ¿ diz.

Beeskow foi professor de Angela. Segundo ele, ela era a melhor da classe em matemática e em língua russa: participava das olimpíadas de matemática, um costume dos países comunistas, e era tão boa em russo que uma vez foi convidada a participar de um festival em Moscou.

Harald Loschke, chefe da polícia de Templin, foi um dos colegas de Kasi (como Angela era chamada na escola) nas olimpíadas de matemática. Segundo ele, o segredo de Angela é ser altamente capaz e, ao mesmo tempo, aparentar ser ¿uma mulher inteiramente normal¿.

Diferentemente de Schroeder, Merkel não é nem um pouco eloqüente. Com o seu estilo frio, não aparenta ser uma política profissional. Mas depois dos escândalos do caixa dois da CDU, envolvendo Kohl, a sua falta de demagogia e eloqüência foi vista como uma qualidade num momento difícil do partido.

Agora, com a crise do baixo crescimento econômico e do alto desemprego do governo Schroeder, ela tenta mais uma vez tirar proveito, vendendo seu estilo sóbrio como exemplo de honestidade e de coragem.

Num apartamento grande num prédio do início do século passado, a poucos metros da ¿ilha dos museus¿ ¿ conjunto com quatro museus famosos de Berlim, às margens do Rio Spree ¿ Angela tem seus poucos momentos de lazer ao lado do marido, Joachim Sauer, de 55 anos, professor de química na Universidade Humboldt.

Oficialmente, os dois se conheceram em 1986, mas Wolfgang Stock, autor de uma biografia da política, conta que os dois foram fotografados diversas vezes pela Stasi, a polícia secreta da Alemanha Oriental, em 1984. O namoro ficou muito tempo oculto, e o casamento só ocorreu após os divórcios dos dois, em 1998.

¿ A única coisa que eu não aceito é ser chamado de sr. Merkel ¿ diz Sauer.

Mas ele já assumiu o papel de dono de casa, apesar do trabalho na universidade. É ele quem contrata as ajudantes domésticas e prepara as refeições em casa.