Título: Golpe para lesar fornecedor
Autor: Vagner Ricardo
Fonte: O Globo, 06/06/2005, Economia, p. 15

País tem mais de mil empresas de estelionatários que compram, mas não pagam

Sem deixar qualquer rastro, seis empresas comandadas por estelionatários subtraíram pelo menos R$821,4 mil em mercadorias de fornecedores só no Estado do Rio em 2004. Os fraudadores têm 395 títulos protestados em cartórios até o momento, segundo dados do grupo americano Equifax Inc., responsável pelo levantamento de duplicatas não pagas por empresas comprovadamente golpistas no país. O número de empresas desse tipo no Brasil só faz aumentar: 1.010 no ano passado, contra 934 em 2003.

Todas elas fecharam as portas carregando mercadorias pelas quais não pagaram. O destino dos produtos é previsível: comerciantes inescrupulosos e grandes receptadores de mercadoria roubada, segundo o diretor comercial da Equifax, Osvaldo Alvarenga. Em 2004, as quadrilhas geraram prejuízo de no mínimo R$49,3 milhões no país ¿ 13,8% a mais que em 2003 ¿ com 22,7 mil títulos protestados. E 57,5% das fraudes foram na Região Sudeste.

A Loja Moderna de Artigos Médicos Ltda., instalada em Volta Redonda, fraudou compras no valor de R$238,4 mil em 2004. Na mesma cidade fluminense, a Nortesul Comércio de Ferro e Materiais de Construção lesou fornecedores em R$171 mil. No Rio, no Mercado São Sebastião, na Penha Circular, a Westgrãos Comercial abriu as portas em maio de 2004 e fechou meses depois, deixando perdas de R$105,7 mil. Antes de desaparecer, a empresa, atacadista de produtos bovinos, adquiriu uma série de itens, incluindo materiais de limpeza e de escritório.

Bandidos compram empresas inativas

Alvarenga diz que o prejuízo total com as fraudes não pode ser mensurado. Mas ultrapassaria com sobra os quase R$50 milhões, já que o levantamento da Equifax não inclui, por exemplo, cheques sem fundos e duplicatas que não foram protestadas em cartórios.

A atuação das quadrilhas constrange órgãos responsáveis por zelar pela idoneidade do mercado, como as juntas comerciais. Lança dúvidas sobre a atuação de contadores e mostra indícios de participação de servidores públicos nas fraudes, segundo a Equifax.

¿ O nível de informações para realizar as fraudes mostra que as quadrilhas são, normalmente, integradas por contadores e, às vezes, têm integrantes do Judiciário e do Executivo ¿ afirma Alvarenga.

O presidente do Conselho Regional de Contabilidade do Rio, Nélson Rocha, diz que a entidade pune com rigor os maus profissionais. Mas hoje só há dois casos de profissionais avaliados por sua conduta.

¿ Orientamos os contadores a serem muito rigorosos com os clientes que batem à porta de seu escritório para criar empresas. Eles podem, sem querer, dar o passaporte para a ação das quadrilhas ¿ explica.

Alvarenga afirma que as quadrilhas seguem um roteiro em seus golpes. Elas escolhem empresas inativas, adquirindo-as formalmente dos antigos donos. A preferência é por empresas antigas, porque a idade facilita as futuras negociações com os fornecedores.

¿ O problema é que o fornecer é muito rigoroso nas primeiras compras, mas relaxa após ver o pagamento efetuado, abrindo caminho para a ação dos estelionatários ¿ conta o diretor.

Outro ponto favorece a ação das quadrilhas: a maioria das vítimas não executa os títulos protestados, mantendo os golpistas no mercado. Depois de cinco anos, as empresas voltam a ter a ficha limpa, apesar do histórico de cheques sem fundos e duplicatas não pagas. Respeitando os prazos, os fraudadores podem voltar a usar os mesmos nomes de empresas.

¿ A omissão é um grande erro. As vítimas têm de esgotar todos os recursos disponíveis, como executar os títulos protestados para garantir a falência da empresa, dar queixa na polícia e informar ao Ministério Público sobre a ação das quadrilhas ¿ orienta o advogado Márcio Tadeu Nunes, do escritório Veirano Advogados.

Em outros casos, as quadrilhas montam uma empresa nova, usando documentos roubados, falsos ou de ¿laranjas¿. As primeiras compras são sempre pagas, mas o volume de encomendas cresce aos poucos, até atingir o limite ideal dos golpistas. Na maioria das vezes, eles nem se preocupam em manter a cautela e compram itens em desacordo com seu falso ramo de atuação.

A conta a pagar, muitas vezes, recai sobre inocentes, como o professor de matemática Sérgio Ricardo Barbosa Rangel. Em 1996, 45 dias após sofrer um assalto, ele teve os documentos usados na abertura de uma empresa em São Gonçalo, a Delacamp Comércio e Importação e Exportação. Só se descobriu ¿empresário¿ em 2000, quando a Polícia Federal o chamou para explicar o atraso de R$1,5 milhão no pagamento de imposto de importação.

Na primeira ida à sede da PF, Rangel foi inocentado. Mas até hoje tenta se livrar dos problemas com seus nome e CPF ¿ que, apesar dos processos administrativos na Receita e no Banco Central, ainda constam na sociedade da fraudadora.

PF FAZ UMA OPERAÇÃO POR MÊS CONTRA DOLEIROS, na página 16