Título: UMA POLÍCIA PARA A DEMOCRACIA
Autor: José Meirelles Passos
Fonte: O Globo, 06/06/2005, O Mundo, p. 19
Proposta dos EUA é vista como intervenção e causa polêmica na reunião da OEA
Ainsistência dos Estados Unidos na criação de um mecanismo para avaliar a qualidade da democracia nos países da América Latina, que seria implementado por uma comissão especial da Organização dos Estados Americanos (OEA), e da qual participariam sindicatos e outras organizações não governamentais, tornou-se ¿ como se esperava ¿ a grande polêmica da assembléia geral daquela instituição, iniciada ontem nesta cidade do litoral da Flórida.
A iniciativa americana parte do conceito de que governos eleitos democraticamente devem administrar de forma democrática. E, segundo a avaliação dos EUA, alguns deles ¿ notadamente o da Venezuela ¿ não têm feito isso. No discurso de abertura do evento, no início da noite, a secretária de Estado, Condoleezza Rice, destacou esse ponto sem mencionar países:
¿ O divisor de águas nas Américas hoje não está entre governos da esquerda ou de direita. Ele está entre aqueles governos que são eleitos e governam democraticamente, e aqueles que não o fazem.
Em nenhum momento ela mencionou diretamente a criação do grupo de monitoração que os EUA vêm tentando implantar. Mas a exemplo do que os diplomatas americanos vêm propondo em reuniões fechadas, a secretária de Estado disse a um grupo de jornalistas que viajaram com ela de Washington à Flórida que ¿um mecanismo que lide com crises que ameaçam subverter as democracias através da região¿ é necessário.
Em seguida, ela foi ainda mais clara, confirmando a suspeita de países como Brasil, México, Argentina e Chile, que não gostam da idéia. A secretária de Estado admitiu que, no fundo, o que os Estados Unidos pretendem com a sua proposta é encontrar uma forma de intervenção em países latino-americanos cujos governos não administrem de uma forma que pareça aceitável para os seus vizinhos:
¿ Não se trata de uma questão de intervir para punir, mas de intervir para tentar sustentar o desenvolvimento de instituições democráticas ¿ disse ela.
Chávez diz que AL não é curral
Segundo Condoleeza, a assembléia da OEA ¿ que hoje terá a presença do presidente George W. Bush e que terminará amanhã ¿ servirá para discutir ¿como ajudar essas frágeis democracias a desenvolver melhor e consolidar suas instituições democráticas, e transformar em realidade os benefícios da democracia¿.
O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, que chegou ontem a Fort Lauderdale, insinuou que será praticamente impossível aprovar a proposta americana, pois para vários países não é necessário criar uma espécie de polícia política especial:
¿ Queremos fortalecer a democracia na região, mas queremos evitar mecanismos intrusivos ¿ disse ele, revelando que os países da Aladi (Associação Latino-Americana de Integração, formada pela América do Sul mais o México) estão estudando uma contraproposta.
Um dos diplomatas que participam das discussões acrescentou:
¿ Já temos a Carta Democrática da OEA (de 2001), que contém mecanismos suficientes para monitorar a democracia. O que acontece é que eles não têm sido aplicados. Basta, portanto, aplicá-los, e não reinventar a roda ¿ disse ele.
Em Caracas, durante o seu programa dominical de rádio, o presidente Hugo Chávez, tido como o alvo principal da proposta americana, reagiu bem ao seu estilo:
¿ A época em que a OEA era um instrumento do governo em Washington já se foi. Vão tentar agora, por meio da OEA, monitorar o governo da Venezuela? Quem pensa que pode colocar os povos da América Latina num curral está equivocado ¿ disparou ele.