Título: Um caminhão de denúncias para tentar fazer Maluf devolver R$ 5 bilhões
Autor: Ricardo Galhardo
Fonte: O Globo, 20/10/2004, O país, p. 10

O cerco judicial ao ex-prefeito Paulo Maluf (PP) fica mais fechado a cada dia. Ontem, Maluf recebeu duas más notícias de uma só vez. Foi denunciado ao lado de outras 36 pessoas físicas e jurídicas, entre as quais quase toda sua família, em uma ação cível por improbidade administrativa, na qual o Ministério Público Estadual pede a devolução de R$ 1,3 bilhão e cobra multa de R$ 3,8 bilhões. A soma dos valores que Maluf terá que ressarcir, de R$ 5 bilhões, é a maior na história da promotoria de São Paulo. E a Justiça Federal aceitou a denúncia por crime contra o sistema financeiro e evasão de divisas, tornando-o réu nessa ação.

As duas ações são baseadas em documentos enviados pela Justiça da Suíça, que aumentam a suspeita de desvio de dinheiro das obras da Avenida Águas Espraiadas ¿ hoje Jornalista Roberto Marinho ¿ e do Túnel Ayrton Senna, ambos construídos entre 1992 e 1996, quando era prefeito.

Na ação cível por improbidade, além da multa e devolução do dinheiro desviado, os promotores pedem o bloqueio dos bens, suspensão dos direitos políticos e proibição de contratos públicos de Maluf, sua mulher, Sylvia, os filhos Flávio, Otávio, Lygia e Lina, o genro Maurílio e a nora Jaqueline.

Também estão incluídos na ação o ex-secretário de Obras Reynaldo de Barros, as construtoras CBPO e Constran, responsáveis pelo túnel, Mendes Júnior e OAS, que construíram a avenida, 12 empreiteiras subcontratadas e diversas empresas off-shore e fundações usadas para remeter o dinheiro para o exterior.

As 130 mil cópias de documentos anexadas ao processo pelo promotor Sílvio Marques e seus colegas na Promotoria da Cidadania ao longo de três anos de investigações foram levadas à Justiça em um caminhão.

¿ Maluf obrigava as empreiteiras a pagarem propina. No túnel, era de 30%. Ele ficava com 20% e o secretário com 10%. Na avenida, ia de 30% a 37% ¿ disse Marques.

As empreiteiras, por sua vez, são suspeitas de subcontratar empresas menores para que essas fornecessem notas fiscais e recibos que justificassem os repasses.

O dinheiro era enviado para o Paraguai via Banestado, por meio de contas em nomes de laranjas e casas de câmbio. Do Paraguai, os valores iam para Nova York e de lá eram remetidos para contas na França, Suíça, Luxemburgo e Ilhas Jersey.

Os promotores têm depoimentos como os dos ex-funcionários da Mendes Júnior Joel Guedes Fernandes e Simeão Damasceno de Oliveira e do doleiro Alberto Youssef. Os promotores concluíram que ele desviou US$ 440 milhões da prefeitura na construção do túnel e da avenida.

¿ Esta é apenas a primeira ação. Ainda esperamos documentos de Jersey e investigamos a relação de Maluf com outras construtoras, empresas de transporte e lixo ¿ disse Sílvio Marques.

O bloqueio dos bens exclui apenas Otávio e Lina Maluf e as contas correntes pessoais dos envolvidos. Nem as ações da família Maluf na Eucatex, empresa fundada há décadas pelo pai do ex-prefeito, escaparam do cerco.

A juíza da 4 Vara da Fazenda Pública, Renata Coelho Okida, deve decidir se aceita os pedidos dos promotores até sexta-feira.

Anteontem, a 2 Vara Criminal Federal de São Paulo acolheu denúncia oferecida pelo procurador da República Pedro Barbosa de Oliveira Neto acusando Maluf de crime contra o sistema financeiro e evasão de divisas com base na Lei do Colarinho Branco (7.420/86) por envio ilegal de dinheiro para o exterior. Se for condenado, Maluf pode receber pena entre 2 e 6 anos de cadeia.

O procurador não deu detalhes sobre os motivos da denúncia, pois o processo corre em segredo de Justiça. Mas confirmou que até o fim do mês deve apresentar ainda denúncia contra Maluf e seu filho, Flávio, pelos crimes de peculato, formação de quadrilha, sonegação fiscal e lavagem de dinheiro.

Segundo ele, as denúncias foram separadas devido ao risco de que a acusação por evasão de divisas prescrevesse. O ex-prefeito tem 73 anos e, de acordo com a lei, pessoas com mais de 70 são beneficiadas com a redução pela metade do prazo de prescrição em ações criminais. O crime de evasão de divisas prescreve normalmente em 12 anos. No caso de Maluf, a acusação poderia perder a validade se a Justiça não aceitasse a denúncia até sexta-feira.

Sílvio Marques negou que esteja agindo por interesses partidários e citou a investigação contra Gilberto Kassab, candidato a vice na chapa do tucano José Serra, que comanda na Promotoria da Cidadania.

Na semana passada, Maluf e Flávio foram indiciados pela Polícia Federal, a pedido de Pedro Barbosa, pelos cinco crimes citados. Até o final da semana, Sylvia, Otávio, Lygia, Lina, Maurílio e Jaqueline também podem ser indiciados na PF.