Título: Dose de juros para desaquecer
Autor: Cássia Almeida e Patricia Eloy
Fonte: O Globo, 20/10/2004, Economia, p. 21

Precisar, não precisava. No entanto, os dados positivos de vendas no comércio e de emprego industrial, divulgados ontem pelo IBGE, ajudaram a fortalecer as expectativas dos analistas de uma nova alta da taxa básica de juros (Selic) hoje, pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC). O emprego na indústria cresceu 0,9% em agosto, pelo quarto mês seguido. Já as vendas no comércio aumentaram pelo nono mês consecutivo: 7,53% em agosto.

Para o economista Emanuel Pereira da Silva, sócio da GAP Asset Management, as duas taxas reforçam a projeção de que o Copom poderá, hoje, esticar em 0,5 ponto a atual Taxa Selic, de 16,25%:

¿ São sinais positivos que confirmam o crescimento sustentado e geram dúvidas sobre os possíveis reflexos nos preços. Hoje já há motivos suficientes para que o Banco Central eleve os juros em 0,5 ponto percentual, mas a autoridade monetária deve contentar-se com um aperto de 0,25.

A confirmação de que a economia está aquecida aparece no recorde alcançado pelo emprego industrial: foi o maior nível na ocupação do setor desde janeiro de 2001. E a taxa de 0,9% frente a julho se aproxima, pela primeira vez, do comportamento da produção industrial, que aumentou 1,1% na mesma comparação. Contra agosto do ano passado, o avanço do emprego ainda perde feio: 3,1% contra 13,1% da produção:

¿ No ano, o emprego acumula alta de 0,8%. Se continuar crescendo como vem até agora, é possível fechar 2004 com taxa positiva pela primeira vez desde 2002 ¿ disse Isabella Nunes Pereira, gerente da pesquisa do IBGE.

E o rendimento dos trabalhadores continua crescendo. A folha de pagamento real, apesar de ter se mantido estável de julho para agosto, já subiu 9,6% frente a agosto de 2003:

¿ Três fatores contribuíram para a alta que chega a 9,1% no ano. O primeiro é a estabilização da inflação; o segundo foram os dissídios. E o terceiro fator vem dos setores que estão puxando o emprego. São ramos que têm salários acima da média nacional ¿ explicou Isabella.

Mas esse rendimento maior ainda não foi suficiente para impulsionar o emprego em setores que dependem da evolução da renda para crescer. Os quatro ramos industriais ¿ dos 18 pesquisados ¿ que demitiram em agosto são os de minerais não-metálicos (mais voltado para construção civil, -2%), papel e gráfica (-3,8%), vestuário (-6,4%) e produtos de metal (-6,5%). Segundo Isabella, esses segmentos estão reagindo há pouco tempo e ainda têm capacidade ocioso, limitando a contratação:

¿ A reação no emprego não é imediata. As admissões ainda são lideradas pelos setores mais dinâmicos: como o de bens duráveis (carros e eletrodomésticos) e de capital (máquinas e equipamentos para indústria.

Esse último setor citado pela economista aumentou o quadro em 16,9% em agosto frente ao mesmo período de 2003. Só perdeu para a indústria do fumo, que está em plena safra e subiu em 21,6% o número de empregados.

E a recuperação da ocupação industrial deve prosseguir. Segundo Isabella, a trajetória do emprego é ascendente.

Além dos indicadores do IBGE, o analista Fábio Fender, da corretora Liquidez, lembra que outra variável importante ¿ o petróleo ¿ piorou bastante desde a última reunião do Copom. O tipo cru leve americano saltou de US$ 43,58 em meados de setembro para US$ 53,29. Elson Teles, da gestora de recursos Fides, concorda. Poderá haver um aumento das expectativas de inflação para 2005, que subiram desde a última reunião do Copom, de 5,7% para 5,81% em média:

¿ Quando o BC usar projeções mais reais para alta da gasolina em 2005, a expectativa deve subir mais ¿ diz Teles, lembrando que a meta de inflação para 2005 é de apenas 5,1%.

A economista Sandra Utsumi, da BES Investimento, é mais otimista. Para ela, a queda contínua da inflação deve pesar favoravelmente na decisão do Copom. Ela crê numa alta de 0,25 ponto e sustenta que os dados de vendas e de emprego ainda estão tímidos.