Título: No colo de Lula
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 07/06/2005, O Globo, p. 2

Para sair do cativeiro político e moral em que foi posto pelo deputado Roberto Jefferson, o governo só tem uma saída: apoiar a instalação de uma CPI que investigue a denúncia de que o PT pagava mesada a deputados em troca de voto. O presidente Lula inclinava-se ontem nesta direção, mas desde que a iniciativa partisse dos líderes da coalizão. Partindo do Governo, significaria uma agressão aos aliados. Ainda assim, tal disposição poderia ter sido explicitada ontem. E não foi.

Já a confirmação de que ouviu Jefferson mencionar a existência dos tais pagamentos em dinheiro a aliados, Lula não teve dúvidas, desde a madrugada de ontem, de que teria de ser feita. A outra opção seria mentir. Embora Jefferson, segundo alguns da reunião em que fez a advertência, tenha dito inverdades em sua entrevista à ¿Folha de São Paulo¿. Nem Lula chorou nem disse que mandaria sustar os pagamentos. O líder Arlindo Chinaglia e os ministros Aldo Rebelo e Walfrido Mares Guia confirmam que, ao final da reunião com o PTB, em março, Jefferson tocou no assunto. O constrangimento tomou conta de todos e se despediram. Lula então pediu a Aldo e Chinaglia que averiguassem no Congresso o que havia de verdade naquela informação. Foi pouco, diante da gravidade do que ouviu. Precária também a resposta dos auxiliares, ao informá-lo de que, no ano passado, depois de declarações nesse sentido feitas pelo deputado Miro Teixeira (em seguida desmentidas), a presidência da Câmara pediu providências à Corregedoria, mas a sindicância nada de concreto apurou. E assim não se falou mais no assunto, nada se fez para tirá-lo a limpo.

Entre mentir ou corroborar a versão do homem-bomba, ainda que deturpada, Lula optou pela verdade, com todas as perguntas que suscita sobre a complacência diante de tão grave advertência. Por isso mesmo, só a CPI pode tirá-lo, bem como ao PT e aos partidos mencionados, da situação vulnerável em que ficaram. Só uma CPI pode investigar profundamente os próprios membros do Congresso, como fez a do Orçamento. Lula, segundo os que estiveram com ele, retomou a disposição com que voltou do Japão, e da qual foi demovido: deixar que a chuva da investigações lave a poeira das denúncias e suspeitas que pairam sobre seu governo. ¿Não quero saber quem vão pegar, sei que a mim não pegarão¿, teria repetido.

No quadro agora agravado, os governistas nem terão mais condições de prosseguir com a operação anti-CPI. Deputado que ficar agora contra a investigação será suspeito de receber mesada. A estratégia que prometia ser vitoriosa ruiu. Nem será preciso, para o líder do PFL, Rodrigo Maia, propor outra CPI, bastando que o governo deixe de obstruir o funcionamento da dos Correios.

¿ Desde o início pensamos em chamá-la de CPI da Mesada, pois ficou claro que o esquema nos Correios e em outras estatais servia ao aliciamento de deputados. Tal como está proposta, a dos Correios servirá perfeitamente à investigação do mensalão e de outros ilícitos nas estatais ¿ diz Rodrigo.

Diverso foi o comportamento dos tucanos, cujo líder mais radical, Arthur Virgílio, limitou-se a pedir o comparecimento de ministros e outras autoridades ao Congresso para prestar esclarecimentos. Corriam notícias de que os tucanos temiam muito ontem a perda de controle sobre a crise política, a contaminação da economia e mesmo a criação de um quadro de ruptura. O próprio ex-presidente Fernando Henrique estaria pedindo calma. Ele, que lidou oito anos com o que chama de atraso, conhece os perigos deste desvão.

Há na entrevista de Jefferson uma discrepância importante sobre a data da reunião, que diz ter ocorrido em janeiro. Naquela mês, Chinaglia ainda não era o líder do governo (só foi indicado em março). Ao dizer que Lula mandou então suspender o pagamento, ele sugere que o corte da mesada determinou os problemas que se seguiram no relacionamento com os aliados, e que levaram inclusive à eleição de Severino Cavalcanti. Já mentira à revista ¿Veja¿, segundo fontes do governo, ao informar que avisara os ministros Aldo e Dirceu de que não se afogaria sozinho. Levaria junto o tesoureiro do PT, Delúbio Soares, e outros tantos. Fez mais que isso, jogou uma bomba no colo do presidente.

Mas o que nada suprime mesmo é a urgência de uma reforma política, sem a qual nenhum presidente governará sem ter que lidar com o chamado atraso.