Título: O QUE VAI SOBRAR DA FLORESTA AMAZÔNICA?
Autor: ENEAS SALATI e CARLOS NOBRE
Fonte: O Globo, 07/06/2005, Opinião, p. 7

Até o início da década de 1970, quando o desmatamento total era da ordem de 1%, a Região Amazônica brasileira encontrava-se num estado de equilíbrio dinâmico, envolvendo os diversos compartimentos dos ecossistemas florestais. Esse estado de equilíbrio foi alcançado nos últimos milênios. O clima quente e úmido cortado pelo Equador abrigou a maior floresta tropical do planeta, rica em espécies da flora e das faunas aquática e terrestre. É importante salientar que o estado de equilíbrio dinâmico atual não é uma simples conseqüência do clima, mas foi obtido através de uma interação contínua entre os ecossistemas florestais e as condições atmosféricas e do solo, isto é, os componentes dos ciclos da água, de nutrientes e de energia foram determinados pela interação clima-floresta.

A partir da década de 1960, o governo brasileiro, financiado pelos bancos multinacionais, implementou programas para ampliar a infra-estrutura na Região Amazônica, incluindo construções de estradas, de usinas hidrelétricas e criando incentivos fiscais para a expansão da fronteira agropecuária.

O que se observou então foi uma forte migração para a região, cuja população aumentou rapidamente para mais de 20 milhões de habitantes, o que causou um desmatamento progressivo que, somado aos 26.130 km² no último ano, já alcança a casa de 620.000 km², ou seja, 17% da área de floresta densa da Amazônia Legal brasileira. Essa área total já desmatada em apenas três décadas é equivalente à do estado de Minas Gerais e superior à área territorial da França.

Além dos impactos sobre a biodiversidade, essa mudança do uso da terra vem alterando os componentes do ciclo hidrológico, com conseqüências para a flora, a fauna, o ciclo do carbono e o ciclo de nutrientes e de energia. Além disso, altera também o fluxo de vapor d¿água que é exportado para as regiões vizinhas, podendo modificar o clima em várias regiões do Brasil e da própria Amazônia, com diminuição da oferta de recursos hídricos que pode afetar diversas atividades, inclusive o agrobusiness.

As atuais políticas de desenvolvimento da Amazônia, por outro lado, aumentaram as queimadas e, consideravelmente, as emissões de gases que produzem o aquecimento global, fazendo com que o Brasil esteja entre os cinco países do planeta que mais emitem gás carbônico. Esse fato, além de ser prejudicial ao próprio país, poderá trazer conseqüências negativas para as nossas relações internacionais.

O desmatamento não é conseqüência de um simples fator. Muitos são os atores responsáveis por esse processo. Praticamente todas as atividades desenvolvidas, com exceção da exploração de produtos florestais não madeireiros, induzirão inexoravelmente a processos que levam ao desmatamento e às queimadas.

Como influenciar e alterar as forças que levam ao desmatamento, nesta complexa interação homem-meio ambiente-economia? Muitas ações foram planejadas e analisadas por diferentes ângulos, porém poucas foram implementadas. Entretanto, ações factíveis a curto e médio prazo podem auxiliar para controlar e reduzir os desmatamentos:

a) Implementar de forma contínua e constante a legislação de proteção ambiental já existente ou aperfeiçoá-la, se necessário. Ampliar e aperfeiçoar o sistema de vigilância com ações disciplinadoras aos infratores da legislação.

b) Incentivar o uso sustentável das áreas já desmatadas, através de programas especiais (produção de biodiesel, florestas energéticas, florestas econômicas, produção de alimentos, etc.).

Se medidas enérgicas não forem tomadas com urgência, o destino da Amazônia será o mesmo de outras áreas outrora florestadas do Brasil, uma vez que as forças que promovem o desmatamento são as mesmas. Da Mata Atlântica sobrou somente uma pequena amostra. E da Amazônia, quanto restará?

ENEAS SALATI é diretor da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável. CARLOS NOBRE é pesquisador do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos/Inpe.