Título: Crise respinga no mercado
Autor: Patricia Eloy
Fonte: O Globo, 07/06/2005, Economia, p. 25

Dólar tem alta de 0,95% e fecha em R$2,45. Bolsa cai 3,07% e risco-país sobe

Aentrevista do presidente do PTB, deputado Roberto Jefferson, acusando o PT de pagar uma mesada de R$30 mil a parlamentares da base aliada em troca de apoio no Congresso sacudiu ontem os negócios no mercado financeiro brasileiro. Ao longo do dia, o dólar chegou a subir mais de 2% e a Bolsa, a cair cerca de 4,5%. O mercado, que passara ao largo das crises anteriores ¿ denúncias de irregularidades contra o presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles; derrota do PT na votação para a presidência da Câmara dos Deputados; e a rejeição no Congresso à MP 232, que elevava a carga tributária de prestadores de serviço ¿ desta vez reagiu negativamente.

O dólar fechou em alta de 0,95%, cotado a R$2,450. Na máxima do dia, chegou a valer R$2,480. A Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) recuou 3,07%, mas, no pior momento, as perdas atingiram 4,34%. Especuladores aproveitaram a forte alta da semana passada para embolsar parte dos lucros, intensificando o movimento de queda da Bolsa. O risco-Brasil avançou 3,61%, para 430 pontos centesimais.

¿ Pela primeira vez acendeu um sinal de alerta para os investidores. As crises anteriores não envolviam o nome do presidente da República, o que agrava ainda mais uma denúncia como a que foi feita pelo deputado Roberto Jefferson. Pela primeira vez vemos a possibilidade de uma crise política atingir de alguma forma uma figura-chave do governo ¿ avalia Sandra Utsumi, economista-chefe do BES Investimento.

Estrangeiros reduzem aplicações

Em fevereiro do ano passado, o caso Waldomiro Diniz ¿ que envolvia o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu ¿ foi, a princípio, recebido no mercado com indiferença. No entanto, rumores de um pedido de demissão de Dirceu, novas denúncias e uma mudança no cenário externo fizeram dólar e risco-Brasil dispararem e a Bolsa despencar.

¿ Toda vez que denúncias graves respingam no alto escalão do governo, o mercado treme. O maior temor é que essa seja a ponta do iceberg e haja mais sujeira embaixo do tapete, no que poderia se transformar na primeira grande crise do governo Lula. Diante da gravidade das acusações, já estão dando como certa a instauração da CPI dos Correios, o que seria um duro golpe para o governo Lula ¿ diz Carlos Carvalho Junior, sócio da Saga Investimentos.

Utsumi lembra que uma crise política dessa natureza tenderia a gerar um elevado grau de aversão a risco, especialmente entre os investidores estrangeiros ¿ justamente os que entraram em peso no país nos últimos meses, em busca de ganhos na Bolsa e também no mercado de juros, com as elevadas taxas do país.

¿ Muito estrangeiro que entrou no Brasil em busca dos juros altos começou ontem a reduzir parte das suas aplicações, especialmente as de longo prazo, consideradas de maior risco. Uma saída mais acelerada destes investidores pode gerar uma forte reversão no mercado financeiro brasileiro. Basta olhar o que aconteceu ontem com os contratos de juros negociados no mercado futuro. As vendas em peso fizeram as taxas projetadas dispararem ¿ explica a economista do BES.

Nos contratos mais negociados, com vencimento em janeiro do ano que vem, os juros projetados subiram de 19,44% para 19,51% ao ano ¿ o maior nível em mais de uma semana. Nas últimas semanas, as taxas vinham recuando diante das seguidas altas da taxa básica Selic e da queda nas expectativas de inflação apuradas pelo relatório ¿Focus¿, do Banco Central. A aversão a risco de longo prazo atingiu ainda os contratos com vencimento mais longo ¿ janeiro de 2007 ¿ cujos juros passaram de 17,71% para 17,99% ao ano.

Os títulos da dívida externa brasileira também sentiram os efeitos: o Global 40, o mais negociado, caiu 0,71%, para 118,15% do valor de face após encostar, na semana anterior, no recorde de 118,93%.

¿ A grande questão que se coloca agora é de que forma o governo vai reagir às denúncias. Uma atitude passiva pode gerar uma crise também no mercado financeiro, que não trabalhava até então com um quadro de crise política. Essa era uma variável que estava fora do cenário de qualquer investidor ¿ explica Carvalho.

Rodrigo Trotta, operador de câmbio do banco Banif Primus, acredita que a nova crise pode inviabilizar o retorno do Banco Central aos leilões de compra de dólares, como indicado na semana passada.

¿ O BC não vai querer criar mais oscilações no mercado e tenderá a ficar de fora até que o cenário fique mais tranquilo. A intenção do BC não é gerar volatilidade, o que poderia ampliar uma eventual crise ¿ acredita Trotta.

PRESSÃO INFLACIONÁRIA RECUA, na página 26