Título: Um presidente acuado
Autor: Janaina Figueiredo
Fonte: O Globo, 07/06/2005, O Mundo, p. 32

Mesa é obrigado a deixar palácio ameaçado de invasão. Igreja tenta mediar crise na Bolívia

ABolívia viveu horas decisivas ontem, em meio a rumores de renúncia do presidente Carlos Mesa e até mesmo de golpe de Estado. Enquanto a Igreja, que a pedido do presidente assumiu o papel de mediadora entre governo e oposição, tentava encontrar uma saída capaz de pôr fim à gravíssima crise política no país, a situação em La Paz ficou caótica. No início da tarde, um grupo de manifestantes tentou invadir o Palácio Quemado, sede do governo, minutos antes de o presidente gravar uma mensagem que seria transmitida ontem mesmo à nação. O violento protesto, que foi reprimido pelo batalhão policial encarregado da segurança do palácio, obrigou o presidente e seus ministros a abandonarem a sede do Executivo e se refugiarem na residência de Mesa, localizada no bairro de San Miguel, no Sul de La Paz.

Segundo informações oficiais, cerca de 50 pessoas foram detidas em meio a choques entre policiais e manifestantes que exigiam a renúncia do presidente e a nacionalização dos recursos energéticos do país. No início da noite, o presidente retornou ao palácio. O ministro de Governo, José Galindo, desmentiu os rumores de renúncia, mas admitiu que o aumento dos protestos poderia colocar em xeque o governo Mesa. Segundo afirmou Galindo, o presidente está aguardando o resultado do diálogo entre representantes da Igreja e dos principais movimentos sociais do país. Ontem, autoridades eclesiásticas se reuniram com o deputado e líder cocaleiro Evo Morales, do Movimento ao Socialismo (Mas), na sede do Congresso boliviano.

¿ Nossa proposta, que foi exposta hoje (ontem) à Igreja, prevê a renúncia do presidente e a antecipação das eleições presidenciais. Nos meses que restam até as eleições, que seriam em dezembro deste ano, o poder seria assumido pelo presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Eduardo Rodríguez, pois os presidentes da Câmara e do Senado não têm autoridade moral para governar o país ¿ afirmou Morales ao GLOBO, por telefone, de La Paz.

Presidente estaria disposto a renunciar

Segundo ele, a renúncia de Mesa é condição sine qua non para iniciar um processo de reconciliação nacional.

¿ Falamos com a Igreja e agora dependerá das autoridades do governo. Nossa posição é essa e vamos manter firme nosso pedido de antecipação das eleições ¿ enfatizou o líder cocaleiro, considerado um dos candidatos com mais chances de vencer as próximas eleições presidenciais, embora sua popularidade, segundo recentes pesquisas, não supere 20%.

Depois de ter conversado com o deputado do MAS, os negociadores designados pela Igreja deverão reunir-se com líderes de outros movimentos sociais, sobretudo com grupos da cidade de El Alto, localizada a 15 quilômetros de La Paz, e com sindicalistas da Central de Trabalhadores da Bolívia (COB). Ontem, movimentos como a Federação de Associações de Moradores (Fejuve) de El Alto realizaram uma assembléia popular na capital do país para decidir se participarão ou não do processo de diálogo comandado pela Igreja. O envolvimento de movimentos sociais como a Fejuve é fundamental, pois eles representam a grande maioria dos bolivianos que nas últimas semanas saiu às ruas para exigir a nacionalização dos recursos energéticos e a convocação de uma Assembléia Constituinte.

A ação dos movimentos sociais praticamente paralisou o Oeste da Bolívia, sobretudo a cidade de La Paz, cujos moradores já começaram a sofrer uma crise de desabastecimento de alimentos e combustível. Ontem, mais de 70 estradas do país estavam bloqueadas por opositores do governo. No Leste, o departamento (estado) de Santa Cruz continua firme com sua intenção de realizar um referendo sobre sua autonomia no próximo dia 12 de agosto.

¿ Neste momento existem muitas demandas que devem ser avaliadas pela Igreja. Esta não é uma crise que possa se resolver de um dia para o outro ¿ explicou o analista político Jorge Lazarte, da Universidade Católica da Bolívia. ¿ A saída de Mesa está sendo discutida e poderia ser a base de um eventual acordo entre todos os setores.

A grande incógnita ontem era saber se os movimentos sociais de El Alto, uma das cidades mais pobres do país, estarão dispostos a participar do diálogo coordenado pela Igreja. Ministros do governo Mesa admitiram que o presidente estaria disposto a renunciar. ¿O presidente está disposto (a abandonar o cargo) numa situação como esta, a facilitar qualquer solução; além disso, não podemos esquecer que em 6 de março passado o próprio presidente propôs sua renúncia¿, afirmou a ministra da Participação Popular, Gloria Ardaya, em entrevista à BBC. Ontem à noite, o presidente estava reunido com seus principais colaboradores no Palácio Quemado, analisando a situação e aguardando as conclusões dos negociadores designados pela Igreja, uma das instituições de maior prestígio da Bolívia.

www.oglobo.com.br/mundo