Título: Lula acorda e a base se enrola
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 08/06/2005, O Globo, p. 2

O presidente Lula estava precisando falar à sociedade brasileira sobre os casos de corrupção e a crise política. E falou, com a firmeza exigida pela situação. O Congresso precisava ter instalado ontem uma CPI - fosse para investigar apenas o caso dos Correios ou também a denúncia de pagamento de mesada a deputados. Não a instalou. Lula está enfrentando a crise de frente; o PT e os aliados persistiram na defensiva.

Ao falar no Fórum Global de Combate à Corrupção, onde antes faria apenas um balanço das ações de seu governo nesta área, Lula deu sinal claro de que venceu a vertigem imobilizadora. Abordou a crise doméstica, mesmo estando num evento internacional, e assegurou que seu governo não porá panos quentes, seja de quem for a dor. E o fará, prometeu, na condição de guardião das instituições e em defesa da própria biografia. Ao longo do dia, o governador tucano Aécio Neves dissera o mesmo, ao afirmar que Lula não é Collor e tem sua própria história a defender. Antes do discurso, Lula já expressara seu apoio à investigação parlamentar através do ministro Aldo e demitira as diretorias dos Correios e do IRB. Os técnicos nomeados serão também uma espécie de interventores-auditores, que somarão forças com a PF e a CGU na investigação do que aconteceu por lá.

Já na Câmara, ao tentar restringir ao caso dos Correios às investigações da CPI já criada, os governistas acabaram favorecendo o objetivo do PFL, de prolongar a sangria do governo. Os deputados Rodrigo Maia e ACM Neto tornaram-se os gladiadores desta batalha. Os tucanos, desde segunda-feira, adotaram postura mais moderada.

Mas parecem os governistas não ter entendido que foram às cordas, para usar a expressão de um alto petista, não estando em condições de determinar o rumo das investigações. O PT logo cedo declarou apoio à CPI dos Correios, através do líder Paulo Rocha, e foi o bastante para ferir o brio dos aliados. Queria o PT propor logo a instalação de outra CPI, para investigar especificamente a denúncia de Roberto Jefferson, mas os aliados fizeram outra opção. Que a CPI cuide do caso dos Correios - e para isso tentaram aprovar um parecer do relator Inaldo Leitão na CCJ, alterando o texto proposição inicial, embora ele permita mesmo uma ampla devassa nas estatais. A denúncia de mesada ficaria por conta da Corregedoria da Câmara e do Conselho de Ética. O PFL reagiu ao parecer e derrubou a sessão.

Além de inviável, esta opção não terá eficácia política. Passa a impressão de que pretendem liquidar o assunto num órgão interno, de viés corporativo, que liquidará o assunto cassando o deputado Roberto Jefferson, que já avisou: se for assim, fará rolar outras cabeças. Logo cedo, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, protocolou denúncia contra ele no Conselho de Ética. Quando ela é de autoria de um partido, o denunciado já fica imediatamente impedido de renunciar, como já fizeram tantos deputados em apuros.

O PT, de todo modo, começou a colher assinaturas para uma CPI da Mesada, mas só poderá apresentá-la se tiver a concordância dos aliados. Pelo menos isso o PT entende que, nesta altura, não pode mais posar de mais puro que seus correligionários.

O que precisam compreender hoje é que a investigação do mensalão virá de um modo ou de outro. Que a demora tornará as coisas ainda piores e passará a impressão de que estão reféns de Roberto Jefferson, que ontem mandou muitos avisos sobre o que pode dizer e sobre as tantas fitas gravadas que teria em seu poder.