Título: Renúncia agrava crise na Bolívia
Autor: Janaina Figueiredo
Fonte: O Globo, 08/06/2005, O Mundo, p. 32

Congresso decide amanhã se aceita saída de Mesa. Partidos divergem sobre a sucessão

Adecisão do presidente da Bolívia, Carlos Mesa, de apresentar sua renúncia ao Congresso aprofundou ainda mais a crise política em que está mergulhado o país. O gesto de Mesa desencadeou acirrada disputa entre seus opositores, que amanhã protagonizarão um duro debate numa crucial sessão do Congresso Nacional que será realizada na cidade de Sucre, a 650 quilômetros de La Paz.

Ontem, a capital do país viveu mais um dia de violentos protestos que foram reprimidos pela polícia, provocando um clima de caos na cidade. Mesa, porém, foi ao palácio. A idéia de realizar a sessão em Sucre surgiu para evitar que as manifestações impeçam a ação do Congresso.

- Se a sessão for realizada com pressão nas ruas, as decisões adotadas poderiam ser equivocadas - explicou o presidente do Congresso, Hormando Vaca Díez.

A situação do país é cada vez mais delicada. Os setores mais esquerdistas, comandados pelo Movimento ao Socialismo (MAS) do deputado e líder cocaleiro Evo Morales, defendem a designação do presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Enrique Rodríguez, terceiro na linha de sucessão, como novo presidente do país.

Direita quer Vaca Díez na Presidência

Já os partidos mais tradicionais - e, também, mais impopulares do país - pretendem que o presidente do Congresso e primeiro na linha de sucessão (um dirigente do departamento de Santa Cruz, o mais rico do país) assuma o poder.

- Vai ser uma discussão decisiva e temos certeza de que a pressão social impedirá que um homem como Vaca Díez, que representa uma classe política em decadência, seja nomeado presidente - disse ao GLOBO o deputado Hernán Vega, do MAS, por telefone.

Segundo revelaram fontes vinculadas ao líder cocaleiro, para o MAS "está em jogo quem manda na Bolívia: ou mandamos nós, os indígenas, os pobres, os lutadores sociais; ou mandam eles, os ricos e poderosos de sempre".

O líder do Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), um dos principais partidos de direita, rebateu:

- Morales e seus colaboradores não podem passar por cima da Constituição. No fundo, o que eles querem é transformar a Bolívia numa Cuba com rosto indígena - assegurou o deputado e líder do partido, Luis Eduardo Siles.

Na visão do analista político Juan Ramón Quintana Taborga, diretor do Observatório sobre Democracia e Segurança, "a renúncia de Mesa era necessária mas mostrou ser insuficiente para solucionar a crise".

- A designação de Vaca Díez representaria a continuidade de um sistema político que está em crise e é repudiado pela população - explicou o analista boliviano.

O novo presidente do país, afirmou ele, deverá convocar eleições presidenciais num prazo de seis meses.

Na República Dominicana, o chanceler Celso Amorim defendeu uma solução "pacífica, democrática e constitucional" para a crise na Bolívia. Ele aproveitou para reforçar que o Brasil está disposto a ajudar, mas caberá à Bolívia fazer tal solicitação.

- Tenho certeza de que há hoje, na Bolívia, maturidade para uma solução pacífica e equilibrada - disse.

BOXE EXPLICATIVO

Instabilidade política nos Andes

País mais instável politicamente da América do Sul, a Bolívia registra em seus livros de história mais de 200 golpes militares desde a independência em 1825 e 19 constituições e reformas constitucionais, além de ter sofrido a perda de metade de seu território para os vizinhos. O desmembramento territorial ocorreu principalmente entre 1879 e 1935, quando o país perdeu seu litoral para o Chile na Guerra do Pacífico (1879-1883), o Acre para o Brasil numa campanha independentista local apoiada pelo governo brasileiro (1899-1903), e quase todo o Chaco para o Paraguai na Guerra do Chaco (1932-1935).

Na segunda metade do século XX, um dos momentos mais marcantes da História do país foi a revolução nacionalista de março de 1952, quando uma insurreição popular encabeçada pelo Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR) derrotou o Exército. A revolução nacionalizou as minas de estanho, decretou a reforma agrária e estabeleceu o voto universal.

Um novo golpe reinaugurou em 1964 os ciclos militares, cuja fase final, de 1978 a 1982, foi marcada por sete presidentes e quatro golpes de Estado. O reencontro com a democracia em 1982 não garantiu a estabilidade política. Nos anos 90, os movimentos indígenas quéchuas e aimaras da zona andina ganharam força, opondo-se às elites brancas de origem espanhola da parte oriental, onde se concentra a riqueza do país.

COLABOROU Eliane Oliveira

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