Título: A versão do tesoureiro
Autor: Flávio Freire, Ricardo Galhardo e Soraya Aggege
Fonte: O Globo, 09/06/2005, O País, p. 3

Delúbio diz que governo, PT e Congresso são vítimas de chantagem mas não explica por quê

Três dias depois de ser apontado como o homem do PT que entregaria mesadas de R$30 mil a deputados do PP e do PL em troca de apoio ao governo Luiz Inácio Lula da Silva, o tesoureiro do partido, Delúbio Soares, falou pela primeira vez ontem sobre o escândalo e disse estar sendo vítima de chantagem. Nervoso, só se referia ao deputado Roberto Jefferson como presidente do PTB e, apenas no fim da entrevista, citou seu nome. Também não explicou por que motivo e por quem o PT, o governo e o Congresso estariam sendo chantageados, mas repetiu nove vezes a palavra chantagem para justificar as acusações de Roberto Jefferson.

Com uma gravata vermelha e a estrela do PT na lapela, Delúbio contou que tem o hábito de receber em sua casa dirigentes de partidos da base governista para tratar de assuntos eleitorais. Admitiu que o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, é um dos que tiveram encontros em sua casa, um apartamento no luxuoso bairro dos Jardins, em São Paulo. Valdemar, por sua vez, disse ontem que esteve apenas uma vez no apartamento do tesoureiro do PT, para um café da manhã, há um ano.

Após quatro horas de reunião da executiva nacional do PT, durante a qual se explicou e até chorou, Delúbio Soares disse ainda que pretende pôr à disposição da Justiça seu sigilo bancário e fiscal. E que, se preciso, também não vê problemas numa eventual quebra de sigilo telefônico. Mas as contas do PT, afirmou, não serão abertas porque já foram informadas ao Tribunal Superior Eleitoral. Disse que, num fórum apropriado, poderia passar por uma acareação com o presidente do PTB, mas que, neste momento, não está disposto a isso.

Segundo Delúbio, que apresentava fundas olheiras, todas as denúncias serão esclarecidas na esfera judicial. A seguir, os principais trechos da tumultuada entrevista dada na sede do diretório nacional do PT, em São Paulo, e encerrada abruptamente pelo presidente do partido, José Genoino.

CHANTAGEM: "Não aceitamos nenhum tipo de chantagem (...) A chantagem é pública, publicada no jornal na segunda-feira. E não vamos aceitar chantagem. Nós estamos entendendo que o conteúdo da entrevista dada no que se refere à compra de deputados e à compra de votos é chantagem. A chantagem é para que possa pairar uma dúvida. Como disse Genoino ontem, é a tática do gambá (de espalhar o mau cheiro para todos os partidos). O PT não participa da compra de votos de deputados. Não participa de compra de apoio de deputados. Estão tentando chantagear não só o PT, mas também o governo e o Congresso Nacional. O PT não aceita esse tipo de chantagem. Não aceita nenhuma chantagem".

ENCONTROS EM CASA: "Na minha casa? Não é habitual. Acho que não. Não lembro (...) Já recebi dirigentes de outros partidos tanto em Goiânia nas campanhas eleitorais, como em São Paulo, onde moro, num apartamento alugado há 15 anos. (...) Na minha casa foi o pessoal do PL. O presidente do PL, Valdemar Costa Neto, eu conheci na campanha, já conhecia de nome, trabalhamos juntos no início de 2002 (...) Não tenho nenhuma restrição, pelo contrário, o presidente do PL tem sido uma pessoa correta. Não tenho nenhum problema de encontrar com o presidente do PL em qualquer lugar. Seja em minha casa, no escritório, na sede do PT ou em Mogi das Cruzes".

REUNIÕES NO PLANALTO. "A direção do PT tem por obrigação tratar de assuntos com os demais partidos da base aliada e muitas vezes com os da oposição. Eu sou um dirigente do PT e foi a mim delegado, com uma comissão, com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para tratar de diversos assuntos, principalmente os eleitorais de 2004. E nós conversamos com todas as direções do partido, inclusive com o PTB. Tem também reuniões na sede do nosso partido para que pudesse tratar de assuntos de interesses de partidos aliados. Quanto ao Palácio do Planalto, lá estive diversas vezes para tratar de interesses do PT.

SIGILO FISCAL E BANCÁRIO: "Quero deixar claro à sociedade que ponho à disposição da Justiça o meu sigilo fiscal e bancário. É fundamental não ter dúvida neste momento. Até agora tenho sido caluniado e massacrado".

MENSALÃO: "A primeira vez que ouvi essa palavra foi numa reportagem do 'Jornal do Brasil', em setembro do ano passado. O presidente do PT, José Genoino, tomou as providências na Câmara, que fez as investigações. Essas investigações foram feitas no Congresso e no Tribunal Superior Eleitoral, que acabaram de ser julgadas na semana passada. O PT não tem nenhuma participação em esquema de compra de votos ou de compra de apoio de deputados".

ACAREAÇÃO COM JEFFERSON: "Não se trata disso nesse momento. Mas se houver uma investigação num fórum correto, não vejo problemas".

DESGASTE DA IMAGEM DO GOVERNO: "Tenho refletido muito sobre esse assunto. O PT é uma instituição e sua direção é responsável por seus atos. Não tenho medo de qualquer investigação".

AFASTAMENTO DO CARGO: "A permanência na direção da executiva nacional é de responsabilidade de uma eleição que tivemos no Processo de Eleições Diretas (PED). A função foi a mim delegada e aprovada pelo diretório nacional. Não foi tratada na reunião da executiva, que é quem delibera pelo afastamento de qualquer membro. Esse assunto não foi tratado. Vou continuar exercendo minha função no PT".

ÉTICA E CORRUPÇÃO: " O governo tem feito um combate implacável à corrupção no país. Quero deixar claro que nesses mais de 30 anos de militância política não acumulei bens nem vantagens. Tudo o que tenho foi com muito esforço. Trabalho desde os 14 anos de idade. O PT defende a ética na política e na administração pública. Temos dado todo o apoio para o presidente Lula ter as condições de combater a corrupção. O PT não se rende e não se vende".

DESVIO DE CONDUTA: "Entendo que qualquer desvio de conduta de qualquer militante do PT tem que ser apurado. Todos têm que ter responsabilidade sobre os atos que cometeu. Entendo que existindo qualquer coisa que me desabone, tem que ser tomadas as providências e o partido fará o que for necessário".

Petista chora na reunião da executiva

SÃO PAULO. O tesoureiro do PT não resistiu à pressão e chorou na reunião da executiva nacional em São Paulo. Ao falar sobre o reflexo das denúncias em sua família e sobre sua infância pobre em Goiás, Delúbio Soares, considerado um dos homens fortes do partido, não segurou as lágrimas diante dos colegas, segundo um dos participantes do encontro.

Na reunião, Delúbio disse que considera ser vítima de uma campanha articulada "recheada de armadilhas" para a imprensa. Sobre as acusações de Jefferson, o tesoureiro teria explicado que o deputado estaria usando-o para criar "furor uterino" e ganhar a proteção do governo.

Delúbio surgiu para a coletiva procurando demonstrar calma. Repetiu frases inteiras na hora de rebater as declarações de Jefferson. Ao lado do presidente do PT, José Genoino, ele chegou ao auditório do partido acompanhado da mulher, Mônica Valente, integrante da Executiva e que foi secretária do governo petista de Marta Suplicy.

Mônica, sentada numa das cadeiras colocadas atrás da mesa onde estava Delúbio, passava recados em pedaços de papel para o marido. Genoino interrompeu a entrevista várias vezes alegando que cada jornalista poderia fazer uma única pergunta. Assim, livrou várias vezes Delúbio de questionamentos.

Integrantes da executiva nacional do PT e convidados acompanharam a entrevista. A saída de Delúbio foi blindada por seis seguranças que o protegeram no percurso de menos de três metros entre a sala da coletiva e o elevador. Enquanto ele esperava para sair, nenhum jornalista pôde deixar a sala. Delúbio saiu da sede do PT num carro blindado e acompanhado de dois batedores.

Medo e forte esquema de segurança

Tesoureiro do PT usa batedores e carros-clones para despistar quem o segue

SÃO PAULO. O tesoureiro do PT, Delúbio Soares, disse que tem sido "seguido e vigiado" há um ano e meio ao justificar o forte esquema de batedores e carros blindados que usa para se locomover. A perseguição seria feita por um serviço de espionagem particular, contratado por "personalidades políticas", segundo afirmou Paulo Ferreira, secretário nacional de Relações Internacionais do PT.

Delúbio tem um esquema de segurança parecido com o de chefes de Estado. Além de dispor de pelo menos dois batedores de motocicletas, o tesoureiro nacional do partido usa carros-clones e blindados. Antes e depois de um motorista partir com o carro que transporta Delúbio, outros veículos idênticos, todos com vidros negros e placas em nome do PT, fazem o mesmo percurso. Ao perceber que algum carro de imprensa segue o mesmo trajeto, os carros-clones tratam de disfarçar o caminho, para confundir os perseguidores.

- Pedi para fazerem um acompanhamento da minha vida. Eu estava sendo seguido em vários momentos. Um ano e meio atrás uma equipe de segurança recomendou que eu contratasse uma segurança para mim, e assim faço até hoje - disse Delúbio.

Sobre o motivo das perseguições, ele foi evasivo:

- Há um ano e meio identificamos um foco de perseguição, e a recomendação foi essa.

Ferreira explicou que o PT identificou a contratação de um serviço de espionagem:

- Delúbio estava sendo seguido por colegas da imprensa e também por outros personagens que conhecemos bem. São personalidades do setor político.

Delúbio argumentou ainda que desde 2001 o PT tem se preocupado com a segurança dele, do hoje presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, ex-presidente do PT.

- Em 2001 tivemos o assassinato do Toninho do PT (prefeito de Campinas). Em janeiro perdemos Celso Daniel (prefeito de Santo André). De lá para cá, decidimos que os dirigentes do PT deveriam ter um esquema de segurança. Isso foi aprovado na Executiva- disse, sem explicar os motivos de o PT tomar essa decisão ao mesmo tempo em que considera os assassinatos de Toninho do PT e de Celso Daniel crimes comuns, barrando investigações políticas sobre os dois casos.

Legenda da foto: O TESOUREIRO DO PT, Delúbio Soares, ao falar pela primeira vez sobre as denúncias: "O PT não se rende e não se vende"