Título: CRISE QUE NADA. O NEGÓCIO É LUCRO
Autor: Patricia Eloy
Fonte: O Globo, 09/06/2005, Economia, p. 29

Bancos estrangeiros ignoram cenário político e recomendam compra de ativos brasileiros

A recente crise política, causada pelas denúncias do deputado Roberto Jefferson sobre o suposto pagamento pelo PT de mesada a parlamentares, não trouxe apenas fortes oscilações ao mercado financeiro brasileiro. As elevadas perdas dos últimos dias tornaram os ativos do país mais atrativos para os investidores estrangeiros, que, diante da farta liquidez internacional e da possibilidade de o ciclo de alta de juros nos EUA estar próxima do fim (o que reduz as perspectivas de melhora nos ganhos com os títulos americanos, considerados de risco zero), lucram alto com o Brasil. Em relatórios enviados a clientes nos últimos dias, bancos estrangeiros destacam: diante dos bons fundamentos da economia do Brasil, pode ser hora de aproveitar para comprar ativos com selo verde-e-amarelo.

Em relatório, o HSBC informou ontem que trocou papéis de vencimento a médio prazo (Global 2027) por outros com resgate em 2040. Apesar de o Global 2040 ter atingido recorde histórico recentemente - 119,85% do valor de face - há ainda espaço para ganhos. "O papel com vencimento em 2040, que chega a ser negociado até 57 pontos acima da curva de risco, deve ter um excelente desempenho nesse cenário, com ganhos bastante elevados", explicou no documento o estrategista-chefe de Mercados Emergentes do HSBC em Nova York, Rashique Rahman.

- Os fundamentos econômicos prevalecem, embora estejamos cautelosos em relação à crise. O troca-troca de títulos reflete uma estratégia mais defensiva neste cenário de crise, já que os fundamentos devem ter maior impacto sobre papéis como o Global 2040, que, esperamos, terá um excelente desempenho mesmo em meio à queda do mercado. A impressão que tenho é que os investidores locais talvez estejam mais preocupados, ampliando os impactos da crise - disse Rahman ontem, em entrevista por telefone ao GLOBO.

Bolsa já acumula queda de 7,28%

Em relatório a clientes, a economista-chefe do banco suíço UBS no Brasil, Victoria Werneck, minimiza a crise. "Neste momento, parece que ninguém acredita que o próprio Lula está envolvido no escândalo e a imagem de que ele é honesto ainda prevalece". Em outro documento, Felipe Illanes, chefe de estratégia do banco de investimentos para a Economia Latino-Americana e Renda Fixa do banco Merrill Lynch, considerou exagerada a reação dos mercados à crise e ressaltou que está se formando uma oportunidade de compra (de ativos brasileiros).

- Enquanto os brasileiros se retraem por serem bombardeados por informações sobre a crise, os estrangeiros estão de olho na farta liquidez internacional, o que os torna mais resistentes à crise. E são justamente essa liquidez e os sólidos fundamentos da economia brasileira que têm evitado uma correção de preços mais forte. E, claro, crises sempre criam oportunidades de compra de ativos - disse Ricardo Amorim, chefe de pesquisa para a América Latina do banco europeu WestLB em Nova York.

Brad Durham, diretor da Emerging Portfolio Fund Research - consultoria americana que monitora oito mil fundos em todo mundo, com mais de US$4 trilhões em ativos - também acredita que os investidores locais estão mais pessimistas em relação à crise. Para o estrangeiro, os ganhos falam mais alto.

- A crise política foi uma desculpa para os investidores colocarem no bolso os ganhos das últimas semanas. Da mesma forma, a forte queda é uma excelente oportunidade para comprar ativos a um preço mais baixo. Fato é que o Brasil ainda é um excelente investimento para estrangeiros - avaliou Durham.

Ele explica que o Brasil tem o maior retorno em dividendos por ação no mundo. De cada papel que o estrangeiro compra, 6,1% voltam para ele na forma de dividendos.

- Não só é a maior taxa global, que atrai investidores em peso para a Bolsa, como fica quase 50% acima do segundo colocado, a Tailândia, com 4,1%. Num cenário de forte queda da Bolsa, isso só aumenta a atratividade da aplicação - disse.

Nos últimos cinco pregões, a Bolsa acumula uma queda de 7,28%. Com o risco-país de volta aos 441 pontos - ontem, a alta foi de 0,23% - os ganhos com os papéis brasileiros também aumentaram. O Global 40 rende 8,3% ao ano para os investidores. Quando o risco se aproximou dos 400 pontos, essa taxa caiu para 7%, ainda assim quase o dobro dos 3,9% pagos pelos títulos do Tesouro dos EUA.

Ontem, o mercado ensaiou uma recuperação em relação às perdas dos últimos dias, mas voltou a ter um dia de nervosismo. O dólar chegou a cair 0,89%, mas fechou a R$2,462, estável frente à cotação de anteontem (R$2,463). A Bolsa oscilou fortemente - quase mil pontos da mínima à máxima - chegou a subir 1,59%, mas encerrou em queda de 1,30%. O risco-Brasil ficou perto da estabilidade (441 pontos) e o Global 40 recuou 0,23%, para 117,18% do valor de face.

INCLUI QUADRO: O QUE DIZEM OS RELATÓRIOS