Título: Um país desgovernado
Autor: Janaina Figueiredo
Fonte: O Globo, 09/06/2005, O Mundo, p. 37

Mesa alerta para risco de guerra civil se presidente do Congresso assumir governo

Hoje é um dia decisivo para o futuro da Bolívia. Às 10h30min (11h30min em Brasília), os 157 congressistas bolivianos se reúnem na Casa da Liberdade, em Sucre, capital constitucional do país, para determinar o sucessor do presidente Carlos Mesa, que segunda-feira enviou sua renúncia ao Congresso. A dura queda-de-braço entre o Movimento ao Socialismo (MAS) - comandado pelo deputado e líder cocaleiro Evo Morales - e os partidos mais tradicionais - como o Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), do ex-presidente Gonzalo Sánchez de Lozada - pode arrastar o país para uma guerra civil, segundo alertou o próprio Mesa em mensagem na TV.

A direita boliviana quer que assuma o poder o senador Hormando Vaca Díez, presidente do Congresso e dirigente do rico departamento (estado) de Santa Cruz. Ele é primeiro na linha de sucessão, porém altamente impopular. Já o MAS e demais movimentos sociais que nas últimas semanas praticamente paralisaram a Bolívia, bloqueando quase todas as estradas do país e organizando protestos em La Paz, exigem que Vaca Díez ceda o poder ao presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Eduardo Rodríguez.

- Este é um tempo de renúncias no qual o país não pode continuar apostando na loucura. Se Hormando Vaca Díez insistir em assumir a Presidência, teremos na quinta-feira (hoje) um Congresso bloqueado - disse Mesa.

Mesa apela a Lula, Kirchner e Annan

O presidente - que poderá estar hoje na sessão parlamentar para entregar o poder a um sucessor - fez um apelo aos partidos tradicionais:

- Este é um pedido que faço num país que está à beira da guerra civil - afirmou.

Fontes do governo disseram que Mesa enviou cartas ao secretário-geral da ONU, Kofi Annan, e aos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Néstor Kirchner, da Argentina, pedindo o envio de observadores internacionais para acompanharem a crise.

Vaca Díez passou o dia negociando alianças com setores da direita, que hoje defenderão sua nomeação para a Presidência. Para analistas locais, os movimentos sociais responderão com mais protestos, mais bloqueios de estradas e ações mais violentas. Analistas ouvidos pelo GLOBO disseram que o risco de guerra civil é real.

- O que estamos observando é uma rearticulação da direita, com forte poder nos departamentos de Santa Cruz, Tarija, Beni e Pando, quatro estados que pretendem se tornar autônomos. São setores dispostos a tudo em nome da preservação do poder - explicou Ximena Costa, professora da Universidade Maior de San Andrés.

Segundo ela, se Vaca Díez for empossado, uma de suas primeiras medidas será decretar estado de sítio.

- Teremos um país mais polarizado, com um governo mais repressor. Vaca Díez vai tentar manter a ordem custe o que custar - afirmou.

Importantes líderes da direita, como o deputado Luis Eduardo Siles, do MNR, admitiram que esse novo governo controlaria com mão-de-ferro os movimentos sociais.

- Não deveríamos nos assustar se aqui for instalado um governo cívico-militar - disse Siles.

Do outro lado do tabuleiro político, Morales e outros dirigentes sociais asseguraram que não permitirão a nomeação de Vaca Díez.

- Quero alertar que o país irá a uma guerra civil se Vaca Díez for presidente - frisou Morales.

Movimentos e sindicatos da região de El Alto, a 15 quilômetros de La Paz, anunciaram a criação de um comando revolucionário, que estará à frente dos protestos contra Vaca Díez. Em meio a uma crise de abastecimento de alimentos, a Lan Chile e a American Airlines suspenderam os vôos para La Paz. A Varig os manteve.

BOXE EXPLICATIVO

> Candidatos à sucessão

O Congresso boliviano se reúne hoje em Sucre, capital constitucional do país, para decidir a sucessão presidencial depois da renúncia apresentada por Carlos Mesa. Estes são os principais candidatos a suceder o presidente:

HORMANDO VACA DÍEZ: Presidente do Congresso e do Senado bolivianos. Aos 56 anos, é o primeiro na linha de sucessão. É senador pelo departamento (estado) de Santa Cruz, o maior e mais próspero da Bolívia e que reclama agora sua autonomia. Vaca Díez é um empresário do setor agroindustrial e pertence ao Movimento da Esquerda Revolucionária (MIR, na sigla em espanhol) - um dos partidos mais desprestigiados do país e que no passado se viu envolvido em escândalos de corrupção. O MIR foi aliado de Gonzalo Sánchez de Lozada, presidente deposto em outubro de 2003 por uma revolta popular contrária à exportação de gás natural. Vaca Díez não tem apoio na região oeste da Bolívia, onde está La Paz, mas é respaldado em Santa Cruz.

MARIO COSSÍO: Presidente da Câmara dos Deputados, Mario Cossío é o segundo na linha de sucessão presidencial na Bolívia. Ele pertence ao Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), o mesmo partido de Gonzalo Sánchez de Lozada e que forma a primeira força no Parlamento. O deputado é de Tarija, região no sul do país, onde estão as maiores reservas de gás e que lidera, junto com Santa Cruz, as campanhas pedindo suas autonomias.

EDUARDO RODRÍGUEZ VELSÉ: É o presidente da Corte Suprema de Justiça e o terceiro na linha de sucessão presidencial. Antes de ser juiz foi um dos principais executivos na Controladoria Geral da República. Não tem carreira política.

Legenda da foto: O PRESIDENTE do Congresso, Hormando Vaca Díez: primeiro na linha de sucessão, mas rejeitado por movimentos sociais