Título: O GRANDE PREDADOR DO INTERIOR PAULISTA
Autor: Leonardo Valente
Fonte: O Globo, 09/06/2005, O Mundo / Ciencia e Vida, p. 39

Cientistas anunciam descoberta de um crocodilo terrestre que viveu há 90 milhões de anos

Ele tinha a anatomia de um assassino. O crânio estreito e alto permitia a formação de mandíbulas fortes e dentes afiados como navalhas. Viveu há 90 milhões de anos no interior de São Paulo e hoje é uma das descobertas mais valiosas da paleontologia brasileira. O Baurusuchus salgadoenses, uma espécie de crocodilomorfo desconhecida até então, teve sua descoberta anunciada ontem por pesquisadores brasileiros, no Departamento de Geologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

O animal chegava a medir três metros de comprimento e pesava cerca de 400 quilos. Com patas compridas, diferentemente dos crocodilos de hoje, tinha hábitos terrestres e provavelmente caçava em bandos. Todas essas informações puderam ser obtidas graças à descoberta, há três anos, dos fósseis mais bem conservados já encontrados no Brasil. Onze esqueletos praticamente completos foram achados no município de General Salgado, no interior de São Paulo. Alguns deles tinham até mesmo pedras estomacais (que facilitavam a digestão) dos animais fossilizadas. Desde então, os cientistas trabalharam na identificação do animal e no estudo de seus possíveis hábitos.

- Logo percebemos que se tratava de uma espécie desconhecida. Esta, sem dúvida, é a maior descoberta paleontológica da América do Sul. Devido ao excelente estado dos fósseis, será possível descobrir detalhes sobre o modo de vida do animal, assim como novos dados sobre o ambiente em que ele vivia, no período Cretáceo - explicou o pesquisador da UFRJ Pedro Henrique Nobre, um dos responsáveis pela pesquisa.

A boa conservação dos esqueletos tem como motivo as condições climáticas da São Paulo pré-histórica. Na época em que vivia o crocodilo, toda a região do oeste do estado era ocupada por amplos rios e lagos temporários. O clima, muito mais quente que o atual, era seco e o ambiente muito árido. Com a chegada de grandes chuvas torrenciais, muitos desses animais, que estavam juntos por causa da seca, morriam ao mesmo tempo e seus corpos ficavam presos às rochas, sendo fossilizados com o tempo.

- As chuvas chegavam como grandes catástrofes, provocando alagamentos gigantescos e rápidos. Isso facilitou a fossilização dos corpos - explicou Nobre.

Animais parecidosviveram no Paquistão

O crocodilo brasileiro foi tema de reportagem de capa da revista "Gondwana Research", publicação internacional voltada para pesquisas paleontológicas. A repercussão internacional da descoberta se deve a sua importância para o entendimento sobre os movimentos migratórios de animais e sobre a posição dos continentes na época.

- Animais semelhantes foram encontrados no Paquistão, e agora nos fazem crer que os crocodilos saíram da América do Sul, pela Antártida, em direção à Índia. Portanto, essas regiões estavam ligadas - disse o pesquisador.

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